Um domingo em 2015
O jornalista Daniel Souza Luz escreve conto sobre crimes de natureza predominantemente política que se tornaram mais comuns agora.
André lustrava o carro, passando uma segunda mão de cera, no capricho, como sempre gostou. Vermelho Ferrari – ao menos na cabeça dele. Não bebia nessa hora, jamais. Estava com uma camisa polo, começou a passar calor ao conversar com Carlos, seu vizinho de muitos anos.
Carlos sempre foi cheio dos xavecos e convenceu André a participar da manifestação contra a corrupção. Disse que era contra a ditadura, mas a favor do impeachment. André nunca acompanhara política, só achava que era corrupção demais; nunca ouviu falar tanto nisso, mas sempre ouviu falar. Tá bom, tá bom. Topou. Foi em casa e trocou de roupa; pôs uma camisa da Ferrari, com o cavalinho discretamente empinado no peito. Se não era a favor da ditadura, que mal teria?
– Falaí, Carlinhos! – foram recepcionados com umas brejas que estavam em isopores na parte de trás de uma Hilux; estava muito quente.
André aproveitou pra encher o caneco. Notou que estava cheio das novinhas e rolando bastante som. Parecia uma rave, quando amanhece, e no dia de um jogo do Brasil. Perfeito, se deu bem de-mais. Perdeu-se de Carlos e, já bem alto, tanto quanto o som, começou a jogar ideia numa loirinha. Ela foi até que educada, ele insistiu, logo um sujeito ligeiramente maior que ele chegou intimando. Era o namorado dela.
– Olha aqui um comunista no meio da gente, o cara tá infiltrado, provocador!
Não houve tempo de explicar que a camisa era vermelha porque era da Ferrari. O sangue, de um vermelho conspurcante, corria pela rua.
* Daniel Souza Luz é jornalista e revisor. E-mail: danielsouzaluz@gmail.com