The Smiths
O jornalista Daniel Souza Luz escreve sobre quando descobriu a banda inglesa The Smiths
O jornalista Daniel Souza Luz escreve a crônica The Smiths, sobre a sua inesquecível descoberta da banda inglesa.
A descoberta do The Smiths foi inesquecível para mim. Como inúmeras bandas dos anos oitenta, cheguei atrasado. Tudo bem, era pré-adolescente à época. Num belo dia – ou, melhor dizendo, numa sombria tarde – liguei a TV Cultura e o Kid Vinil, que infelizmente faleceu neste ano, anunciou numa chamada, em tom lúgubre, que apresentaria um especial chamado The Smiths Are Dead.
Passava um trechinho de uma música de fundo, creio que de The Boy With The Torn in His Side, embora não me lembre com certeza. Foi o suficiente para captar minha atenção, pois me apaixonei pela harmonia. À primeira audição. Hoje imagino, caso tenha a oportunidade de rever esse especial, que acharia a abertura datada, mas à época me impressionou fortemente: uma montagem em computador, com cores fortes, de um cemitério exibindo uma tumba com a inscrição The Smiths.
Fora engano, havia a data da existência da banda gravada no túmulo: 1982-1987. No início do programa, Kid Vinil avisou que os Smiths haviam acabado de encerrar suas atividades. Como o grupo acabou ao lançar o disco Strangeways, Here We Come, em setembro de 1987, aquele especial foi no final daquele ano, quando eu tinha doze primaveras ou já havia recém-completado treze anos.
https://www.youtube.com/watch?v=0Hlw4Un91lIA sequência de videoclipes foi matadora, foi sorte ter contato com esse material em tenra idade. O clipe da já mencionada The Boy… era o menos interessante deles, mas servia para saber como os integrantes eram, pois não tem nada além deles tocando num pequeno cômodo. Os demais são obras-primas; por mais que essa palavra seja desgastada, não há outra para qualificar tamanhas preciosidades.
Por uma hora, assisti, hipnotizado, clipes como os de Girlfriend In a Coma, There´s a Light That Never Goes Out, Panic, How Soon Is Now e outras músicas que hoje são clássicas. Anos depois, descobri que vários destes vídeos foram dirigidos pelo cineasta Derek Jarman. Em alguns ele usa o já naquela época superado formato super-8. O efeito é arrebatador; embora ainda tivesse o inglês incipiente, percebi que How Soon Is Now evocava um amor inatingível.
As imagens da belíssima modelo loira de cabelo chanel, de trechos desfocados de show, das chaminés de uma indústria muito poluente, sugeriam algo inatingível – inclusive para mim. As camadas de guitarra e a ambiência misteriosa do som arrematavam as imagens de forma mesmerizante. É muito curioso que minha relação com a música seja tão influenciada pelo audiovisual, muitos anos antes da estreia da MTV no Brasil.
As canções dos Smiths sobrevivem também sem a lembrança dos vídeos. A delicadeza das melodias, o vocal inaudito e inconfundível de Morrissey, o lirismo arrebatador das letras redundam numa banda única. Ainda bem que nunca houve uma volta, por mais que talvez gostasse de ver.
Tiveram uma carreira intensa, sem nenhum disco ruim. Ao menos vi uma apresentação do guitarrista Johnny Marr em 2015, no festival Cultura Inglesa. Ele tocou várias músicas dos Smiths, o vocal dele não comprometeu e, para minha completa surpresa, conseguiu reproduzir aquela sonoridade fantástica de How Soon Is Now ao vivo.
Não é pouco, há bandas indies posteriores aos Smiths, da chamada geração shoegaze, que não conseguem fazer ao vivo alguns efeitos que obtinham em estúdio; consta que é o caso do My Bloody Valentine e constatei isto pessoalmente num show do Swervedriver, no ano passado. Aquele especial The Smiths Are Dead também me marcou por outro motivo. A TV ficava na sala, não havia outra.
Bem na hora em que o especial estava passando, uma menininha que havia se mudado naquele final de semana para o prédio em que morava foi brincar com minha irmã Fernanda no nosso apartamento. Fiquei pistola com a algazarra e os gritinhos dela e as enxotei da sala.
É por isso que sei e sempre digo para a minha amiga Ana Karla Rodrigues que a conheço e a sua família – era a irmã dela, Paulinha, que estava bagunçando minha experiência com os Smiths – desde 1987. Ou seja, somos amigos há exatamente três décadas.
* Daniel Souza Luz é jornalista e revisor. E-mail: danielsouzaluz@gmail.com