Sex Pistols versus Beastie Boys

Quando fiz 15 anos ganhei da minha vó Arminda uma grana pra comprar o presente que quisesse.

Aliás, por vários anos, ao longo dos anos 1990, este dinheiro que minha avó me dava no meu aniversário serviu para eu conseguir preciosidades em CD numa época em não havia internet e ter acesso a estas obras era muito impossível. Voltando ao final da década de 1980, homem não tem festa de debutante, né?

Daí ela me deu uma soma em dinheiro que era bem mais do que eu costumava ganhar de mesada. Foi assim que ad-quiri meu primeiro disco. Fui a uma loja de discos que não existe mais há décadas, na rua Assis Figueiredo. Fiquei na dúvida entre dois vinis: o Paul’s Boutique, dos Beastie Boys, ou o Never Mind the Bollocks, dos Sex Pistols.

Dos primeiros só havia lido mui-tos elogios a respeito e sabia que era de rap, gênero do qual já gostava, devido aos poucos clipes que via em programas de skate na TV (Run DMC, Fat Boys, os brasileiros Código 13 e MC Jack). Dos segundos só conhecia uma música, a divertidíssima C’mon Everybody, devido também a um programa de skate, e tinha lido mais ainda a respeito.

Fiquei numa dúvida tremenda.O dinheiro só dava para um disco, sabe-se lá quando poderia comprar outro – de fato, só um ano depois pude ter outro vinil. Tinha um cara de dreadlocks na loja; era branco, mas era raríssimo de ver alguém de dreads em 1989. Presumi que ele gostava de rap. Perguntei timidamente pra ele se aquele disco do Beastie Boys era bom mesmo.

Ele me olhou como se eu fosse um fedelho petulante – talvez eu fosse mesmo – e me ignorou totalmente. Fiquei revoltado e comprei o LP do Sex Pistols. Melhor motivo para ter esse disco não há, a menos que se seja um operário inglês. E daí em diante nada mais foi como antes.

O disco dos Pistols foi uma experiência acachapante. A única música deles que eu conhecia, a já mencionada C’Mon Everybody, fui descobrir anos depois que era uma versão de um rocker dos anos 1950, o brilhante Eddie Cochran. E era o baixista Sid Vicious que a cantava.

Eu já gostava de Ramones, The Clash, Replicantes, Cólera e de várias bandas de punk rock. Mas o Never Mind The Bollo-cks foi uma porrada inaudita. Era muito melhor do que eu poderia imaginar. O volume que vinha das caixas do aparelho de som que meu pai tinha comprado recentemente não tinha comparação.

O disco foi produzido utilizando o conceito de “wall of sound” (parede de som) do produtor Phil Spector, que trabalhou com os Beatles e grupos de soul, mas elevado à enésima potência – a guitarra foi gravada repetidamente em quase todos os canais de som, saturando tudo, mas sem perder definição. A produção era muito superior a tudo que eu havia ouvido até então. E era Johnny Rotten que cantava, não Vicious.

Era muito agressivo, soava indignado com tudo, foi o primeiro contato que tomei com o conceito de anarquia – fui procurar saber o que ele cantava em Anarchy in The UK. O meu fascínio com o disco é: sabe quando você cria uma expectativa enorme com algo? Ela jamais é atendida. Com este vinil aconteceu o contrário: ela foi suplantada. Tenho o disco até hoje. Já o derrubei, me acompanhou em todas as minhas mudanças.

E não tem sequer um risco. Hoje soa quase inofensivo diante do que veio posteriormente (hardcore, thrash metal, grindcore, noise rock, gaba). Johnny Rotten tornou-se um conservador imbecilíssimo, como os que ele criticava. Mas a chama de Never Mind The Bollocks ainda arde para quem se atém à essência. E falo sem ingenuidade, sei que foi uma banda armada pelo empresário Malcolm McLaren.

Algo que os desabona para muitos, mas que faz com que os veja com mais admiração ainda – McLaren usava o grupo para divulgar ideias anárquicas. Ganhava dinheiro com isso? Claro. Mas ser pago para subverter conceitos é uma ótima. Por fim, pergunto-me o que teria acontecido se eu tivesse comprado o disco do Beastie Boys.

Será que eu viraria um desses rappers brancos malas como o Eminem ou o Vanilla Ice? Não, sou retraído demais para isso. Provavelmente eu seria um cara mais engraçado. Adoro Beastie Boys, tornaram-se uns caras mais firmeza do que os remanescentes do Sex Pistols, hoje mera paródia de si mesmos.

* Daniel Souza Luz é escritor, professor, jornalista e revisor. E-mail: danielsouzaluz@gmail.com