Sem Ar explora apocalipse claustrofóbico
Filme é para fãs do subgênero apocalíptico
O jornalista e diretor do Jornal da Cidade, João Gabriel Pinheiro Chagas Freitas, escreve sobre a distopia apocalíptica Sem Ar, disponível na Netflix.
Acabou de entrar no cardápio da Netflix o filme “Sem Ar”, estrelado por Norman Reedus (The Walking Dead) e Djimon Hounsou (Diamante de Sangue), com direção e roteiro de Christian Cantamessa.
O filme estreiou em agosto de 2015 e chegou de forma discreta no Brasil, via home video (DVD/Blu-ray). É compreensível a situação, pois não é um filme que se sustenta nos cinemas, em especial, no nosso país, já que tem pouco apelo comercial.
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Basicamente, “Sem Ar” é uma produção que se encaixa em um subgênero que ao longo da história do cinema sempre teve o seu apelo: os filmes apocalípticos, que ainda que produzidos em quantidade bem menor se comparado a outros estilos, têm fãs. Eu mesmo sou um apreciador deste tipo de filme.
Por isto, “Sem Ar” vai agradar principalmente os adeptos deste gênero, que foca no fim do mundo de forma pessimista e sombria. Aqui, a distopia da vez mostra o mundo em uma época não identificada, mas que presume-se ser em um futuro bem próximo. As imagens iniciais mostram reportagens de TV que indicam que as coisas não vão bem.
Uma ameaça iminente e não identificada faz, inclusive, com que o presidente dos Estados Unidos conceda uma entrevista coletiva tentando amenizar as coisas. Logo se vê que de nada adiantou. O mundo, aparentemente, acabou logo depois, por conta de um holocausto nuclear.
Quando enfim o filme começa, somos apresentados ao bünker claustrofóbico onde funciona a estação subterrânea onde (sobre)vivem os dois (quase) únicos personagens do filme, e possivelmente os últimos homens vivos na Terra.
Eles estão ali para manter saudável o ambiente extremamente frágil do último lugar habitável no planeta e ao mesmo tempo devem cuidar dos corpos de um grupo de pessoas criogenicamente conservadas, a serem despertas somente quando as condições do planeta permitirem. O grande desafio imposto aos personagens durante todo o filme é conseguir minutos a mais de vida por conta do ar cada vez mais escasso dentro da estação.
Não dá para ignorar que o local é uma clara referência à estação Cisne da segunda temporada de Lost. Ainda que em seja em um futuro próximo, a estação parece ter saído dos anos 1970/1980, pois está repleta de equipamentos daquele período, como monitores em tubo e toda a parafernália típica da Guerra Fria. Em contrapartida, há alguns monitores que funcionam em touchscreen, o que nos remete a algum período mais próximo ao atual.
O relógio analógico em contagem regressiva, como na estação Cisne, é um deleite para qualquer fã de Lost. É ele quem aponta os minutos restantes de ar disponível no bünker. Após a apresentação do espaço onde se passa a ação, aparecem os personagens. Em primeiro lugar, temos Bauer (Norman Reedus).
Ele desperta em uma câmara revestida por uma capa plástica que ainda que justificada pouco depois, parece que não convence pela fragilidade. O colega de confinamento é Cartwright (Dijimon Hounsou), que aparece na sequência. Sobre o personagem de Reedus, fica a impressão de que ele repete os cacoetes do personagem Daryl, da série The Walking Dead.
Talvez isto aconteça pelo fato de que o produtor do filme, Robert Kirkman, seja o criador da série. Já Dijimon tem uma atuação muito mais humanizada, como o elo frágil da corrente. Logo, o roteiro sinaliza quem é o protagonista do filme. Mesmo com baixo orçamento, a fotografia e a direção de arte passam a sensação de que a situação é real, pois como já dito anteriormente, o bünker, que praticamente é o único cenário do filme, remete aos abrigos nucleares típicos da época da Guerra Fria.
Sabemos que enquanto Bauer foi trabalhar na estação deixando esposa e filhos na superfície repleta de radiação nuclear, Cartwright também tem alguém. É a partir daí que o roteiro apresenta uma terceira personagem, que aparece eventualmente e interage da mesma forma como ocorre em dezenas de outros filmes. Para se ter um comparativo com o ambiente enclausurado de “Sem Ar”, pode ser citado “Solaris” (2002) como referência de situação.
Como não é fácil manter o interesse do espectador explorando apenas um cenário, o filme, a partir do segundo ato, se arrasta até chegar em seu momento verdade, como em “THX-1138” (1971). Assim, o clima distópico e apocalíptico é usado como pano de fundo para uma experiência social, ao explorar até que ponto duas pessoas em condições extremas de sobrevivência podem chegar.
O que talvez decepcione seja o clímax: a situação imaginada pelo roteiro é compreensível, mas pode deixar a desejar. Fica a sensação de que algo mais deveria ter acontecido ou então, ocorrido de outra forma. Para fãs do subgênero, vale conferir.
* João Gabriel Pinheiro Chagas é jornalista e diretor do Jornal da Cidade. E-mail: joaogabrielpcf@gmail.com