Quilombolas lutam por valorização dos saberes tradicionais
A valorização das raízes africanas na educação escolar, bem como a efetiva aplicação da Lei Federal 10.639, de 2003, que incluiu no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade do estudo de História e Cultura Afro-Brasileira, foi defendida na manhã desta quinta-feira (7/11/19) durante audiência pública da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
A reunião teve por objetivo debater a educação escolar quilombola na rede estadual de ensino. Os participantes, em sua maioria quilombolas e ativistas, defenderam também a capacitação dos professores e a participação das comunidades e do corpo docente na elaboração dos conteúdos dos livros didáticos. Eles denunciaram ainda episódios de preconceito, perseguição e racismo, deficiências no transporte e na merenda escolar, além de infraestrutura precária das escolas.
Integrante do Movimento Negro Unificado, Angela Maria da Silva Gomes cobrou “reparação histórica da dívida que o País tem por ter sequestrado do continente africano milhões de pessoas”.
“O berço da civilização e da tecnologia do mundo é o continente africano e o modelo da ciência moderna ocidental não nos serve. É preciso romper com o modelo do racismo cotidiano. O Modelo civilizatório de nossos pais e avós, de respeito à natureza, precisa ser resgatado”, afirmou.
Sônia Araújo Aparecida, da Rede Quilombola Metropolitana de Belo Horizonte, e Wendell Marcelino de Lima, coordenador da ONG Vale dos Quilombos, reconheceram que houve avanços, mas denunciaram o descumprimento sistemático da legislação.
“Como a educação quilombola pode ser de qualidade, se a sociedade não nos respeita?”, indagou a socióloga e professora Makota Lecianê, do Quilombo Manzo. “Vivemos em uma sociedade racista, que não nos aceita, mas somos mais de 54% da população brasileira”, afirmou.
Secretaria de Educação aponta avanços
Representante da Secretaria de Estado de Educação, Iara Félix Pires Viana admitiu que muito ainda há a se fazer para se valorizar a educação quilombola, mas listou uma série de ações que estão sendo implementadas pela pasta, pautadas em princípios como memória coletiva, línguas remanescentes, marcos civilizatórios, cultura, usos, costumes e tradições, visando à garantia de territorialidade e superação do racismo.
Iara assegurou que é objetivo da Secretaria manter o diálogo com as comunidades e, para isso, apontou a criação da Comissão Permanente da Educação Escolar Quilombola.
Segundo a assessora da secretaria, Minas Gerais conta, hoje, com 7.252 estudantes declaradamente quilombolas, em 45 unidades escolares de 11 Superintendências Regionais de Ensino, em áreas rurais e urbanas, além de outras, híbridas, que ainda não são cadastradas como tal, mas que recebem o mesmo tipo de tratamento pedagógico, uma vez que o número de alunos quilombolas matriculados chega a 50% mais 1.
Quilombolas ganharam visibilidade a partir de 2003
Cleide Hilda de Lima Souza, da Coordenação Nacional das Entidades Negras, destacou que os quilombolas passaram a ter visibilidade a partir de 2003, no Governo Lula, com a criação do Ministério de Promoção da Igualdade Social e com o Plano Brasil Quilombola, graças à luta do Movimento Negro desde os anos 70. “É uma disputa de conceito civilizatório”, resumiu, lembrando que só em Minas Gerais são mais de 480 comunidades.
A coordenadora geral do Sind-Ute, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado, Denise de Paula Romano, disse que “é muito importante também discutir a situação dos negros não incluídos nos quilombos”. “Não se pode esquecer que a maioria dos alunos das escolas públicas são negros e que alunos, professoras e professores de religiões de matriz africana são constantemente vítimas de violência”, disse.
Jhonatan dos Santos Ferreira, professor e representante das comunidades quilombolas do Capoeirão e do Morro do Santo Antônio, em Itabira (Central), denunciou que o município não conta com escolas quilombolas, criticou “a negligência do governo” e apontou a invisibilidade dos quilombolas e a falta de professores especializados entre as causas da evasão e do fracasso escolar.
Pesquisadora defende avanços na legislação
Para Shirley Aparecida de Miranda, professora do Colegiado do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o reconhecimento das comunidades quilombolas como grupo formador da sociedade brasileira é fundamental na construção de um marco legal avançado.
Ela considera importante que sejam mantidos os avanços registrados entre 2014 e 2018 na parceria com o poder público, em Minas Gerais, e se declarou satisfeita por saber que a Secretaria de Estado de Educação está empenhada na produção de material didático específico para as comunidades tradicionais, defendendo a participação dos professores na elaboração dos conteúdos.
A deputada Beatriz Cerqueira e os deputados Betão e Doutor Jean Freire, todos do PT, exaltaram os saberes, a cultura e o conhecimento dos povos tradicionais, criticaram o preconceito, o racismo e as políticas de exclusão, e defenderam políticas públicas de valorização das escolas e das comunidades quilombolas.
Homenagem – Na audiência, a presidenta da comissão, deputada Beatriz Cerqueira, homenageou com placa e voto de congratulação a professora de História da Escola Municipal Sócrates Mariani Bittencourt, em Contagem, Adriene Aparecida Figueiredo Gomes, “pelo trabalho pedagógico e dedicação à escola pública”.