Plano Diretor de Poços de Caldas e a ameaça de “passar a boiada”

Em dezembro de 2021, a “revisão” do Plano Diretor foi aprovada pela Câmara de Vereadores de Poços de Caldas, uma votação com intensos debates, por não integrar propostas da população contrárias a esta revisão, por não seguir o Estatuto das Cidades e por não apresentar de estudos técnicos.

É evidente, que as propostas urbanísticas têm que ter fundamentos em estudos técnicos, pois as mudanças propostas no Plano Diretor têm potencial para acarretar custos futuros caríssimos em estruturas urbanas ambientais, sanitários, de infraestrutura e serviços públicos.

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Tal ignorância, tão comum no passado na maioria das cidades brasileiras, não poderia estar sendo ainda praticada no presente e, muito menos, numa cidade que tem a pretensão de ser tão moderna, com áreas verdes no centro da cidade, como o Poços de Caldas.

Não precisamos falar que não é conveniente para os habitantes deste planeta viver cada vez mais submersos em cimento, asfalto, vidro e metais, privados do contato físico com a natureza. Sabemos que este Plano Diretor foi uma grande porteira para “passar a boiada”.

Gosto muito de um texto de Antônio Marcos Capobianco: “Que o MP saia da clausura em que se viu enfiado, como mais um estamento burocrático do Estado para… participar com as entidades não governamentais da afirmação de valores compatíveis com a sociedade justa e fraterna… Guardião dos direitos coletivos, da própria democracia”.

Infelizmente em Poços de Caldas os debates nas audiências públicas foram um mero teatro democrático, causado pelo momento que estamos passando uma crise de saúde pública e os impedimentos à ampla participação popular causados pela pandemia de covid-19.

Quando se propõe a revisão de um instrumento tão importante, principalmente para quem utiliza o transporte público todos os dias, precisa andar para deixar os filhos nas creches ou para utilizar uma Unidade Básica de Saúde (UBS), que vive o dia a dia da cidade, não se pode fazê-lo sem a participação popular, sem um amplo debate em que o ator protagonista deste processo, o povo, esteja presente.

Este é um processo essencialmente democrático. É uma construção coletiva. Afinal, a quem interessa rever o Plano Diretor agora? Qual é a urgência da revisão do Plano Diretor em plena pandemia? O argumento da urgência não se sustenta, porque só interessa aos representantes do mercado imobiliário, do governo municipal e de sua base legislativa.

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O setor imobiliário, ávido por “passar a boiada” do concreto em cima do meio ambiente e seja de quem for, tem defendido que a revisão do Plano Diretor é necessária para “destravar” a cidade. Afirmam isso na contramão do que dizem os números da construção civil, que mostram que, em 2020, portanto durante a pandemia, o setor teve crescimento de 13%.

E este aumento não beneficiou a população com baixa renda; é apenas mais um dado que confirma que, mesmo no difícil quadro econômico, social e sanitário do país, os ricos ficaram mais ricos e os pobres mais pobres.

Um novo Plano Diretor teria como objetivo criar uma cidade segura sustentável e inclusiva, e mais “inteligente” com o enfrentamento das desigualdades sociais e ambientais e criando-se uma estratégia para combater as pandemias e a crise climática. Mas teremos na verdade um custo ambiental e urbanístico altíssimo que as futuras gerações irão sofrer. Triste!!!

* Yula Merola é pesquisadora de Pós Doutorado da Unifal e Especialista em Gestão e Liderança Pública. E-mail: contato@yulamerola.com.br