Perdido em Marte é um dos melhores filmes de Ridley Scott
Obra é, sem sombra de dúvidas, o melhor filme dele desde Gladiador (2000)
Avaliação do Editor
O crítico de cinema Marcelo Leme comenta sobre a ficção Perdido em Marte, considerado por ele o melhor filme feito por Ridley Scott desde Gladiador (2000).
Perdido em Marte é, sem sombra de dúvidas, o melhor filme de Ridley Scott desde seu Gladiador (2000). O cineasta produziu muita coisa ao longo desses 15 anos. Teve bons e péssimos momentos. Com Prometheus (2012) ele voltou a pisar num terreno que o consagrou graças a obras primas como Alien, O Oitavo Passageiro (1979) e Blade Runner – O Caçador de Andróides (1982).
Em seu novo trabalho ele reafirma seu potencial em filmar ficções científicas que vão muito além de meros efeitos ou de testes de sobrevivência. A maravilha da ciência é o grande segredo para o filme dar certo; é o que fará o espectador sair encantado, tanto pela jornada por sobrevivência, quanto pelos feitos unicamente humanos!
E em mais de 120 minutos, ficamos na companhia do personagem de Matt Damon que fica sozinho em Marte após um acidente. Damon segura o filme inteiro, dividindo algumas cenas com outros personagens que discutem dentro da Nasa e na mídia mundial a possibilidade de sobrevivência de alguém no planeta vermelho. Outras cenas levam a tripulação que o abandonou por acreditar que estivesse morto.
Grandes nomes se envolvem com o filme e, talvez, seja graças a habilidade desses que o filme se desenlaça da narrativa convencional para a vivência projetada em performances cênicas. Kristen Wiig, Chiwetel Ejiofore, Jeff Daniels e a extraordinária Jessica Chastain estão no filme. Para quem se lembra, Lunar (2009), de Duncan Jones, de certa forma traz considerações similares a essa obra de Ridley Scott. A solidão do personagem do ótimo Sam Rockwell pode ser comparada a vivenciada pelo personagem de Damon.
E por que mencionar o trabalho dos atores aqui é algo tão importante? Para a ilusão da sensação de perigo e solidão funcionar, precisa-se mais do que uma boa fotografia ou trilha sonora. A empatia funciona pelos atores, por expressões, por dicções. Damon, por exemplo, que está longe de ser um de meus atores prediletos, consegue louvavelmente carregar o filme inteiro enquanto protagonista. Faz isso a partir de um de seus maiores atributos: o carisma. A sua forma física visível também dirá muito sobre seu personagem ao longo da história. E tem mais, para um ator que viveu grandes personagens heroicos, ser colocado sozinho longe de casa e sem depender de vigor físico o desafia a sair de sua zona de conforto. Psicologicamente nós o desafiamos graças ao imaginário que temos sobre a carreira que este construiu.
Não faltam cálculos e cuidados, idealizações, projeções e discussões em benefício da funcionalidade do filme. Em tempos de Gravidade (2013) e Interestelar (2014), Perdido em Marte vem somar em outra vertente. Dispensa o heroísmo habitual e a luta por sobrevivência legitimada e acrescenta conhecimento científico e psicológico. O filme será narrado, todos os feitos serão antecipados. Não se surpreenda! O roteiro parece esquemático, mas dentro do objetivo traçado, comove. Os recursos utilizados – como o diário de registros em vídeo – são engenhosamente dispostos no filme para que a história ganhe maior proporção empática. Os clichês são usados a favor. Deixa de ser clichê, torna-se adequação as condições do roteiro.
O show visual, geralmente esboçado em obras análogas, fica como contextualização. Isso é especialmente brilhante para o filme e sua trama. A imagem não rouba a atenção da história. A beleza plástica das imagens da órbita em volta de Marte não aparece como um elemento artístico, mas como um elemento fundamental para a trama e cuja arte é produzida sem o intuito de roubar atenção do filme. Joga-o adiante. O quadro se completa sem qualquer exagero. Dito isso, afirmo: os efeitos visuais existem por ocasião e necessidade contextual, e não para se destacar por capricho. É preciso elogiar Ridley Scott que segurou sua vaidade a troco de entregar um trabalho limpo e rico.
Nesses tempos de grandes produções risíveis, é bom ver uma obra dessa magnitude tão eficiente no que deseja expressar, passando por cima de fórmulas que qualquer cineasta inexperiente ou de talento discutível utilizaria por segurança. A arte pede ousadia, inovações e adequações. Perdido em Marte felizmente oferta isso.
* Marcelo Leme é crítico de cinema e psicólogo