Os afetos são revolucionários
“Os afetos são revolucionários”. “A verdadeira família tradicional brasileira é indígena”. “Não há futuro dentro do capitalismo”.
Não. Essas não são palavras proferidas pelo filósofo da vez em alguma palestra ou feira literária Brasil afora. Também não são meras reproduções marxistas. Rita Von Hunty é um formidável fenômeno que acomete sempre e felizmente, as gerações quando oprimidas em sua necessidade mai básica: a do livre pensar.
É o sobre humano, o extra humano evadindo da grande e sufocante bolha da alienação coletiva e dando o seu grito. Que delícia. Uma drag prestando um impagável serviço de lucidez, clareza e bom senso para o nosso querido e sofrido país. E eu vibro infinitamente cada vez que as lustrosas prateleiras das convenções desabam.
E em momentos como esse, em que os pseudos paladinos da moral, dos bons costumes e do interesse da nação (pois…) são mais assustadores que o palhaço do circo de horrores. Quando o presidente, representatividade máxima do país, é uma espécie de Chuck Norris do Agreste em agudo estado de demência e quando a artista que segura a pasta do (extinto?) Ministério da Cultura é a própria reencarnação da Rainha Louca, avó de Dom Pedro, é deliciosamente irônico constatar que o bom senso vem de onde menos se espera.
Rita, que aos moldes do teatro grego, das representações Kabukis e do teatro Noh, empresta e se empresta da sua persona para dar voz à milhares e milhares de brasileiros nos trazendo reflexões contundentes sobre o existencialismo, sobre o caminhar da humanidade, sobre como lidamos com o nosso afeto, nossas projeções como seres sociais e etc. e etc., nos possibilita, através dessas mesmas reflexões, a oportunidade de sermos mulheres e homens melhores mesmo ela não sendo nada disso.
Ou talvez exatamente porque ela é também tudo isso. E faz mais. Dá voz à mulher, pois se ela fosse uma simples mulher falando o que fala, não escaparia da mesma prateleira que mencionei acima e sofreria a claustrofobia dos moldes que tantas mulheres pensantes sofrem até hoje.
Híbrida, shakespeariana, sem gênero catalogável e inteligente até as mais íntimas calcificações, faz o que muita, mas muita gente não consegue fazer. Levar ou ao menos tentar levar o ser humano à sua liberdade de pensar.
Em tempos difíceis como o período da ditadura militar, nasciam desse mesmo medo e dessa mesma inquietação e revolta, os Novos Baianos, o Chico Buarque, o Caetano Veloso e todas essa vozes que embora andem um pouco esquecidas ainda são as únicas a fazer diferença na história político musical do Brasil.
E hoje eis que temos uma drag, munida de todos os aparatos e badulaques para distrair e acalentar as cansadas retinas tupiniquins e desse modo colocar dentro delas um pouquinho de esperança e clareza. É formidável o que o ser humano consegue produzir em meio ao caos.
E repito, é deliciosamente irônico ver que hoje, as caricaturas que nos assustam e que também nos fazem rir , são as do homem com faixa de presidente, da ministra que dita rosa e azul, do promotor que equilibra os pratos da justiça à sua conveniência e que o semblante mais confiável venha envolto em perucas e cílios postiços.
É inédito e grandioso que uma das vozes mais coerentes do país atualmente não possua gênero definido. Se é da tragédia que nascem os mitos Rita, você sem dúvida, é um dos maiores, mais belos e indiscutivelmente um dos mais essenciais aos dias de hoje. Evoé!!!
* Beatriz Aquino é atriz e escritora. E-mail: beapoetisa@gmail.com