Olhar de canto de olho

Vivemos uma época de grandes e profundas transformações. Seja no trabalho, seja no campo familiar, nas relações sociais, em qualquer área da vida.
E como não poderia deixar de ser, tudo isso nos faz repensar nossa rotina e nossa zona de conforto. Esse pacote traz também a desconfiança: sentimento que acompanha a humanidade por toda a sua evolução.
Das religiões aos escritos antigos e toda a sua bagagem de inspiração humana, o receio em acreditar cegamente em algo sempre esteve presente, carregando consigo uma complexa relação de atos e performances que fazem com que os atores envolvidos procurem de fato entender o psicológico humano antes de mergulhar no personagem em si.
Acreditar na ciência ou em Deus; nos testes e equações numéricas e estatísticas; no feeling, na própria intuição ou no esotérico; nas poções mágicas e no “trago seu amor de volta em 30 dias”; ou na evidência de que o amor próprio antes de tudo é a principal revolução, porque tudo depende de nós também. Certo é que a incerteza é algo inerente ao hábito humano.
Aliás, diga-se (escreva-se) de passagem, até os animais ditos irracionais são desconfiados. Talvez a desconfiança seja o primeiro sentimento que se possa ter antes de qualquer outro aflorar, trata-se de um sinal de alerta aceso instintivamente.
A mãe desconfia do filho que sempre volta tarde para casa; o pai da filha quando diz que vai estudar e dormir na casa da amiga; a namorada quando o namorado diz que vai jogar futebol toda quarta; o marido quando a esposa diz que vai na academia com as amigas; ou seja, em qualquer relação humana ela está lá, prontinha para entrar em cena e causar, na maioria das vezes, sentimentos nada bons.
Pode ser considerado também um comportamento doentio, desconfiar demais. E é desgastante viver assim. Mas aí já é um assunto para o divã e algumas várias sessões de análise…
Fato é que a desconfiança também é traço cultural marcante do mineiro. Talvez, como observou Arnaldo Jabor, ao dizer que “mineiro já nasce desconfiado”, essa característica se manifeste desde o nascimento, com a do-lorosa separação materna simbolizada pelo corte do cordão umbilical.
Voltemos ao começo do século XVIII, quando Minas Gerais estava cheia de gente de fora, os tropeiros e viajantes.
Acontece que muitos desses caras tinham fama de roubar algo muito importante na época, que não era o ouro das minas, que pertencia às mineradoras e famílias ricas, mas o queijo.
Isso mesmo, o queijo! Naquele tempo, dinheiro era algo raro, então o queijo era usado para trocar por outros alimentos e objetos de valor.
Os tropeiros ficavam nas praças fazendo este escambo e depois vendiam as peças nas cidades grandes. Era assim que o pessoal das vilas conseguia açúcar, trigo, sal, roupa, sapato, e ferramentas, por exemplo.
O forasteiro sempre poderia ser esse “sujeito” que roubaria o queijo, o bem mais precioso que existia e deste modo, a simples chegada de qualquer um de fora, era suficiente para que a população se recolhesse apressadamente em suas casas, trancando portas e janelas, e até mesmo prendendo os cães. Do interior de suas moradias, espreitavam os recém-chegados pelas frestas.
Daí vieram as famosas expressões: “você é “fii de quem?” “De onde você veio e a mando de quem?” E por aí vai…
Quase três séculos se passaram, mas o ambiente das relações humanas segue carregado de suspeitas, receios e temores, refletindo a nossa incapacidade muitas vezes de entender o contexto em que estamos inseridos ou de nos entendermos enquanto seres humanos, com nossas deficiências e fraquezas. Somos frágeis.
Fazemos dos nossos defeitos ou imperfeições, verdades absolutas que nos impedem, como uma armadura, de evoluirmos e de acreditar que podemos ser melhores.
Desconfiar é sim uma forma de autodefesa e de preservação, mas não deve ser o ponto final das relações, impedindo de nos comunicarmos, de darmos e recebermos afeto, desfrutando do melhor e mais genuíno sentido que a vida possa ter. Que a gente possa confiar mais e se entregar a esta possibilidade.
* Eugênio Adami é advogado, contabilista e servidor público
Qual é a sua reação?






