O Menino e o Mundo é o indicado do Brasil no Oscar
O Menino e o Mundo é o representante brasileiro no Oscar 2016
Avaliação do Editor
O crítico Marcelo Leme comenta sobre a animação O Menino e o Mundo, que é o representante brasileiro no Oscar 2016, na categoria Melhor Animação.
Nós também sabemos fazer animações! Esse O Menino e o Mundo, do cineasta Alê Abreu, é que agora concorre ao Oscar de Melhor Animação, de uma leveza e singularidade comoventes. A narrativa é fantástica, exuberantemente artística, realizada a partir de técnicas diferentes, como desenho em Giz de Cera até colagens. E tal desenho que em primeira instância encanta pela simplicidade, consegue nos encantar também com sua história que vaga entre o drama melancólico e o humor inocente de uma criança. Solitária, ela vê seu pai ir embora atrás de trabalho.
A saudade lhe amargura e abre margens para um universo de elaborações num competente cunho onírico oriundo do vento que leva sua imaginação pela janela lhe apresentando um mundo incrível. E uma pequena semente é carregada. A ideia era tratar de questões do mundo moderno através da percepção de uma criança ingressa nele, reconhecendo todas as suas mazelas, especialmente aquelas em que fizeram seu pai embarcar num trem e ir embora.
Era preciso encontrar um trabalho, garantir alguma remuneração, algo que no campo já não encontrava devido à indústria que lhe roubou espaço. O destino incerto leva o patriarca até alguma grande cidade. Deixamos de acessá-lo. O tempo corrente expressa a dúvida do abandono, já que a compreensão acerca da tarefa paterna se põe em cheque na ausência. O pequeno Cuca – o singelo protagonista – questiona isso, parece não entender perfeitamente tal exigência e viaja.
É interessante notar sua relação com coisas simples que imprimem delicadeza na trama, como as nuvens ou instrumentos musicais. Deles, das músicas, surgem pequenas bolhas laranjas que flutuam à deriva ligando-se a outros desenhos num processo de formação. Tudo se transforma na narrativa de Abreu. Os efeitos visuais culminam num encontro com um caleidoscópio, seus reflexos e cores ditam o tom juntamente a música que tem finalidade fundamental na trama. Após Garoto Cósmico (2007), Alê Abreu surge com este seu segundo longa animado.
Traz como dubladores Emicida, Nana Vasconcelos e Vinicius Garcia. O roteiro não segue uma ordem lógica, pois parece aceitar encarar o desconhecido, visitar novidades e criar, inventando e se reinventando a todo instante, como num sonho. Ecoa de alguma maneira a fuga vista em Onde Vivem os Monstros (2009), já que o que assistimos dentro da concepção de Cuca é uma evasão da verdade, da aceitação da vida como ela é racionalmente.
A esquiva são as elaborações desenhadas nos vários planos. Reconhecido por onde passa, recentemente obteve a prestigiada Menção Especial do Júri em Ottawa. E saiu em época em que outra boa animação brasileira vem fazendo expressivo sucesso, Uma História de Amor e Fúria (2013) de Luiz Bolognesi. O desenho de Alê Abreu remete a uma concepção infantil de desenho, similar a percepção de mundo de seu personagem central.
As técnicas utilizadas são diferenciadas, uma vez pouco utilizadas no cinema. A evolução tecnológica de seus recursos vem favorecendo o gênero, viabilizando o progresso da rotoscopia até a tridimensionalidade. Essa viagem no universo íntimo de Cuca permite a interação com o público atento aos detalhes, aos pequenos símbolos dispostos, aos signos expressos que salientam o discernimento do menino, aproximando de vários modos as obras de Hayao Miyazaki.
Da critica à sociedade à ingenuidade lúdica de uma criança tentando compreender o mundo em sua volta, o filme é uma imersão sofisticada ao juízo infante a partir de simples rabiscos. A semente carregada fora plantada, fecundada e o embrião gerou o conhecimento.
* Marcelo Leme é psicólogo e crítico de cinema