O manicômio vive dentro de nós

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No dia 18 de maio comemora-se o Dia Nacional da Luta Antimanicomial, data que lembra a mobilização do movimento da reforma psiquiátrica, iniciado na década de 1970, que reúne, desde então, pessoas com transtornos mentais, familiares, profissionais de saúde e setores da academia em prol de uma atenção à saúde humanizada e com respeito aos direitos fundamentais.

No cuidado à pessoa com transtornos mentais, dois modelos estão em tensão. De um lado, a proposta de tratamento como segregação do louco do convívio familiar e social.

De outro, parte-se da premissa de que é necessário priorizar a atenção ambulatorial e a convivência familiar e comunitária, sendo cabível a internação apenas mediante solicitação médica, quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes, tendo como objetivo a reinserção do paciente no meio social.

As incoerências e as graves violações de direitos humanos pelas quais passaram os pacientes com transtornos mentais foram vastamente relatadas pelos pacientes e estão documentadas na literatura e no cinema.

Apenas como referência, convidamos o leitor a se familiarizar e se conscientizar sobre o tema a partir da leitura de obras como O Alienista, de Machado de Assis, Nos porões da loucura, de Hiram Firmino, e, mais recente, o chocante livro Holocausto Brasileiro, de Daniela Arbex, que baseou documentário produzido pela rede de TV HBO.

Ainda, filmes como O bicho de sete cabeças e Em nome da razão são obras obrigatórias sobre o universo de violações de direitos vivido por pacientes psiquiátricos.

A história revela que o isolamento e a institucionalização dos doentes rapidamente conduziram à superlotação de hospitais, que se tornaram depósitos de pessoas sem atenção clínica e psiquiátrica adequada, ao uso de práticas sem devido fundamento científico, à privação de liberdade, ao isolamento, à perda da privacidade e à violência, entre outras gravíssimas violações de direitos humanos.

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Muitas vezes, sequer, essas pessoas tiveram um diagnóstico adequado e justificativa para sua internação. Muitas dessas pessoas não encontraram a luz da porta de saída e morreram ainda no ambiente hospitalar. Teriam sido 60 mil apenas no Hospital Colônia de Barbacena, segundo nos conta Daniela Arbex.

Mesmo diante desses fatos, ainda hoje, muitas vozes, por vezes camuflando suas reais intenções, insistem em práticas segregacionistas, que “coisificam” o doente, que perde sua condição de pessoa e de sujeito de direitos.

Não há dúvidas de que o cuidado com o paciente com transtornos mentais é complexo e impacta gravemente a vida de sua família. No entanto, a institucionalização e a segregação trazem tranquilidade apenas para a consciência daqueles que acreditam que “o que os olhos não veem o coração não sente.”

Em visita ao Hospital Colônia de Barbacena, o jornalista, Hiram Firmino, testemunhou: “Não encontramos os loucos terríveis que supúnhamos encontrar. Mas seres humanos como nós. Pessoas que, fora das crises, vivem lúcidas o tempo todo.”

Portanto, neste dia 18 de maio, proponho que lutemos contra o manicômio que está dentro do cada um de nós e que o Poder Público, em vez de admitir práticas que configuram retrocesso no cuidado das pessoas com transtornos mentais, esteja empenhado em fortalecer a Rede de Atenção Psicossocial do SUS (RAPS), promover a inclusão social, resgatar a cidadania e dispensar apoio intersetorial ao paciente e sua família.

Luciano Moreira de Oliveira é promotor de Justiça, coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde do MPMG