O homem de branco


Não havia ponto mais conhecido na parte central do Estado do que a Serra da Fumaça. Era mais de mil metros de altitude, cortados por uma estrada de pouco mais de trinta quilômetros de extensão.

De dia, a vista que se perdia no horizonte era fascinante, e a vegetação de um verde vistoso, era das mais fascinantes. A Serra da Fumaça servia basicamente para ligar duas cidades vizinhas. Ninguém sabia ao certo o motivo do lugar se chamar Serra da Fumaça, mas era provável que a neblina durante o inverno tenha sido o principal motivo.

Na verdade, a neblina era o que menos despertava interesse. Haviam muitas histórias sobre a serra. No começo deste século, o lugar ganhou fama. Diziam que em algumas noites, que ninguém sabia ao certo quando eram, luzes saiam do topo da serra. Anos depois, acabaram descobrindo que as tais luzes nada mais eram do que aventureiros com lanternas tentando escalar o cume da serra. Mas a explicação não convenceu.

Diante de tanta especulação em torno do local, o governo do Estado enviou um emissário, que depois de semanas, constatou que não apenas as lanternas dos aventureiros, mas a grande quantidade de raios e relâmpagos era também causadora das luzes no alto da serra, pois ficavam camufladas pela intensa neblina e davam um ar místico ao lugar.

A explicação oficial também não foi suficiente para acabar com as lendas urbanas, pois passou-se a acreditar que o motivo do surgimento das luzes era outro. Mais recentemente, a serra passou a ser alvo de interesse de místicos, esotéricos, ufólogos e afins. O que acontecia por ali parecia uma corrida ao ouro, ou melhor, ao disco voador, de tanta gente que subitamente aparecia em busca de um vislumbre de algo fora do comum.

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Sabe-se lá quem espalhou que a serra possuia minerais raros e propriedades energizantes que atrairiam vidas de outros mundos. Faziam-se vigílias durante dias, e às vezes, por semanas. Quando, enfim, os incautos percebiam que nada iria aparecer, aos poucos, se dispersavam.

Mas vez ou outra, sempre aparecia alguém que acreditava que havia algo de sobrenatural ou paranormal por ali, o que servia apenas para dar mais fôlego às lendas do lugar. Em um incerto dia do final de junho, diante de uma espessa neblina, um casal resolveu se arriscar a cruzar de carro pela serra, mesmo com os frequentes avisos das autoridades de que o trecho deveria ser evitado nestas condições.

Joaquim era fascinado pelas histórias da serra e mesmo sob condições pouco recomendadas em dirigir sob neblina, queria se aventurar por lá. Ana não ligava muito para toda aquela euforia, apesar de não ser totalmente cética. Eles estavam de férias na região e resolveram visitar o outro lado da serra, que era o único caminho entre as cidades.

Então, o casal passou pelo posto de combustíveis que ficava no começo da serra. Joaquim não parou, pois disse que a gasolina “dava e sobrava” e quando muito, só seria necessário abastecer na descida, onde havia outro posto. Ana deu de ombros. O percurso começava com uma leve subida.

Naquele horário e com o mau tempo, não haviam carros vindo no sentido contrário. À medida que avançavam, a neblina passava a tomar cada vez mais conta da pista. Ana começou a se incomodar.

– Você tá prestando atenção? – perguntou.

Joaquim fez que sim com a cabeça. Mas o fato é que a cerração se tornava muito intensa. Quando estavam quase no meio do percurso, Ana ficou realmente preocupada. Não havia acostamento e o nevoeiro tomou conta. Não era possível enxergar quase nada.

– Encosta o máximo que conseguir e liga a seta, o pisca-alerta, o farol e tudo mais. Não dá para seguir.

Joaquim concordou. Os dois sairam do carro e quase não se viam. Foi aí que Joaquim tomou um susto.

– Olha as luzes! Olhas as luzes!

– São só relâmpagos.

E Joaquim retrucava.

– Você nega o que está vendo?

E ela, convicta:

– E você atesta o que não vê?

Quando a neblina deu uma trégua, eles aproveitaram e entraram no carro para seguir viagem. Joaquim começou a descida da serra com cautela. Não estava nem a 20km por hora, pois a visibilidade não permitia ir mais rápido do que isso. Aquele trecho era muito sinuoso e as curvas exigiam atenção máxima.

Não eram poucos os relatos de motoristas que tombaram com seus carros por cochilarem ou simplesmente não prestarem atenção. Joaquim já estava mais calmo, até que em uma curva bastante acentuada ele se alterou. O farol alto flagrou um vulto no meio do matagal.

– Você viu aquilo? Você viu aquilo, Ana? – gritava Joaquim dentro do carro.

Ana também viu alguma coisa, mas não tinha certeza o que era.

– Tem um homem de branco ali no meio do mato! – gritou.

Ana ficou atônita e não conseguia responder. Joaquim parou o carro alguns metros depois e disse que ia dar marcha a ré.

– Você tá louco? Não tem acostamento aqui – implorava Ana.

– Você viu o que eu vi?  – perguntou Joaquim, quase desesperado.

– Sim, acho que vi algo, mas não sei o que era. Vamos seguir.

O problema é que Joaquim relutava em seguir viagem.

– Eu acho que era uma entidade – repetiu Joaquim.

– Entidade? Que entidade?

– Era o Zé… Não tem outra explicação.

– Zé, quem é Zé?

– Zé Pilintra. Nós vimos o Zé Pilintra, entendeu? Todo de branco, ali no meio do mato.

Ana ficou em silêncio. Respirou fundo e tentou acalmar Joaquim. Mesmo extasiado, ele acabou seguindo em frente. Minutos depois, terminaram o percurso e de imediato, avistaram o posto localizado onde a descida terminava.

– Eu preciso parar o carro – disse Joaquim.

– Estamos sem gasolina?

– Eu preciso contar o que vi para alguém.

– Deixa disso, homem. Segue em frente.

Os pedidos de Ana de nada adiantaram e assim que chegaram ao trevo de acesso ao posto, Joaquim entrou com o carro. Ele desceu afoito. Ana foi atrás, preocupada.

– Amigo, acabei de ver um homem na serra. No meio do mato – disse a um frentista que veio em direção a eles.

– Como assim? – perguntou o frentista, assustado.

– Era um homem de branco. Todo de branco.

– Um homem de branco na serra?

– Acho que é uma entidade. Acho que era o Zé Pilintra. Era ele, só pode.

– Peraí. O senhor viu um homem de branco a uns cinco quilômetros pra cima do posto?

– Isso mesmo, isso mesmo – dizia Joaquim, arfando.

O frentista suspirou e balançou a cabeça.

– É parecido com aquilo ali? – perguntou, apontando a um boneco de propaganda do posto, todo vestido de branco, que estava próximo às bombas de combustível.

Joaquim olhou atônito a figura por alguns instantes.

– Muito.

O frentista tirou o boné, passou a mão na cabeça e respondeu:

– Algum desocupado levou nosso mascote e jogou depois no meio do mato. O senhor não é o primeiro que pensa ter visto alguém lá pra cima. A gente nem pegou de volta porque tem vários deles aqui.

Joaquim ficou sem reação. Não havia o que responder. Ana percebeu o constrangimento do companheiro, agradeceu ao frentista e colocou Joaquim no banco do passageiro. Pegou a chave do bolso dele, sentou no banco do motorista, deu partida e seguiram viagem.

* João Gabriel Pinheiro Chagas é jornalista e diretor do Jornal da Cidade. E-mail: joaogabrielpcf@gmail.com]