No Coração do Mar é uma grande aventura no oceano
Tudo é extraordinário nessa aventura dirigida por Ron Howard
Avaliação do Editor
O crítico de cinema Marcelo Leme comenta sobre No Coração do Mar, filme que faz uma adaptação do clássico literário Moby Dick. Para ele, é uma “aventura espetacular”.
A ficção funde-se com o mito e com a realidade nesse No coração do mar. Não se trata restritamente de uma adaptação do clássico literário Moby Dick, mas do que seu autor, Herman Melville, ouviu enquanto buscava a verdade sobre o naufrágio do navio Essex. Assistimos duas histórias se desenrolarem paralelamente: Melville entrevistando Thomas Nickerson, único tripulante da expedição que se encontrava vivo; e a história dessa expedição consoante ao magnânimo e catastrófico encontro com uma baleia gigante.
Tudo é extraordinário nessa aventura dirigida por Ron Howard. Tanto o encontro do escritor com o tripulante sobrevivente quanto a viagem dos baleeiros. O que há de verdade nessa adaptação? O encontro de Melville com Nickerson. A confidência de ambos motivou o primeiro a escrever um dos maiores clássicos da literatura mundial. Mas há outras questões nesse encontro, algo mostrado sem grande profundidade pelos realizadores: a crise do escritor que precisava provar a si próprio ser competente. Aí nasce o arco central que alcança diferentes níveis: a superação de seus personagens.
Todos precisam se reinventar e vencer amarras, seja em nível psicológico quanto em nível físico. Desta forma, não é distante o sentimento de Melville com o dos tripulantes à deriva no oceano. Também não é distante a angústia de Thomas Nickerson que sofreu calado durante anos e que precisou, ao longo de uma noite, contar coisas que ninguém poderia imaginar. Os relatos dão maior dimensão a aventura, ao passo que a aventura dá dinamismo ao conteúdo das descrições. Com duas histórias, Howard correu o risco de negligenciar alguma.
Nesse ponto de vista, é possível que significativa parte do público sinta que ambas tiveram problemas. Um deles diz respeito ao ritmo. A exponencial aventura tem grandes momentos que são arrebatados pelos relatos, fazendo com que percam a força. E como isso seria driblado? Da mesma maneira que fora feito em Titanic? Nesse caso, seria outro filme. Outro problema refere-se a dupla protagonista da expedição, os baleeiros Chase e Pollard. O duelo de ambos chega a um ponto em que fica esquecido. Os conflitos dos personagens são vagos, infelizmente.
E o que há de melhor? Ron Howard é ótimo coordenando a ação e legitima com ímpeto a atribuição do gênero. É uma aventura espetacular. Visualmente fascina. A maneira como constrói a baleia rivalizando com os baleeiros impressiona, uma vez que se apropria de elementos do suspense, em não revelar completamente a ameaça, mas esboçar detalhes desta, até finalmente evidencia-la. Está longe de ser um filme extraordinário, porém é honesto, divertido e carismático; e, imagino, tem ótima serventia para trazer a tona a história de Moby Dick sem a obrigação de ser neuroticamente fiel ao livro.
* Marcelo Leme é psicólogo e crítico de cinema, escreve sobre cinema às quartas e finais de semana