Neruda, Pablo Neruda

Neruda é um dos grandes poetas do seu tempo, do nosso tempo

O escritor e poeta poços-caldense Fernando Amarante escreve sobre a influência do poeta chileno Pablo Neruda em sua vida e em sua formação e produção literária.

Com tantos bons poetas, boas influências que habitam a minha alma, meu imaginário, Neruda se faz com sua rica poesia, uma das mais belas, fortes, indeléveis e marcantes influência em minha formação e em meus escritos (em prosa e verso), em minhas veias, em meu sangue, latino-americano. Em minha alma e meu coração que são para sua poesia como uma casa aberta. Neruda é um dos grandes poetas do seu tempo, do nosso tempo. Sua poesia, sua veia poética, acessível, lírica, romântica, sentimental, sem faltar porém com a erudição; própria dos poetas de sua altura. Assim se apresenta, o universo mágico, das palavras, da poesia de Pablo Neruda.

Ele é um dos meus poetas preferidos. Muito, por ser um poeta da sua aldeia (o Chile), de nossa América Latina, e muito também por ser um poeta universal. Pablo Neruda, o homem que gostava de ser chamado de poeta de utilidade pública. O poeta a quem foi dado se perder de amor por seu semelhante. A fazer versos num largo abraço, num largo gesto generoso de amor para com toda a humanidade… A poesia tem comunicação secreta com o sofrimento do homem. A esta hora exactamente hay un niño en la calle, hay un niño en la calle.

Sua poesia engajada (em defesa) pelos pobres do seu Chile e de nossa América Latina tão sofrida. Neruda navega entre o amor a nível pessoal, e a preocupação social – seu amor por toda a humanidade – contudo sem deixar de destilar doçura, sem perder o pé da doçura, do sentimental. Sentir o amor das pessoas que nós amamos é um fogo que alimenta a nossa vida. Um homem só encontra a mulher ideal quando olhar no seu rosto e ver seu anjo e, tendo-a nos braços, ter as tentações que só os demônios provocam. Tenho duas vidas para te amar, por isso te amo quando te amo e te amo quando não te amo. Se nada nos salva da morte, pelo menos o amor nos salve da vida. Dois amantes felizes não tem fim nem morte, nascem e morrem tantas vezes enquanto vivem, são eternos como é a natureza. O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido. Semeem a planície antes de arar a terra. Refugie-me na poesia com a ferocidade de um tímido. A poesia tem comunicação secreta com o sofrimento do homem.

E chegada o final da década de 1950, veio então 1959 e, com ele a Revolução Cubana, que plantou no chão do Mundo, um outro tipo de civilização, demonstrando que a América Latina era e é viável. E após em breve interregno a década de 1960, e com ela o tempo de maio de 1968 na França (os jovens, a imaginação no poder). E dos fortes ventos socialistas que sopravam e percorriam também nossas Américas (inclusive nosso País). E Neruda é candidato a presidente do Chile pelo Partido Comunista e veio então sua memorável caminhada com seus pares, percorrendo e anunciando sua candidatura Chile afora. Pablo Neruda, poeta e cidadão, o homem engajado, partícipe e protagonista das lutas políticas do seu tempo. Candidatura que ele renunciou a favor e em apoio a Salvador Allende (pelo partido socialista) unindo então as forças de esquerda do Chile. Podem cortar todas as flores, mas não podem deter a primavera.

Veio a década de 1970, e em 1971, Pablo Neruda recebe merecidamente o Prêmio Nobel de literatura. E a convite, do então já presidente eleito Salvador Allende, lê seus poemas, no Estádio Nacional, para um público de 70 mil pessoas. “Fui a Isla Negra, à casa que foi, que é, de Pablo Neruda. Era proibido entrar. Uma cerca de madeira rodeava a casa. Lá, as pessoas tinham gravado seus recados para o poeta. Não tinham deixado nenhum pedacinho de madeira descoberta. Todos falavam com ele como se estivesse vivo. Com lápis ou pontas de prego, cada um tinha encontrado sua maneira de dizer-lhe obrigado. Eu também encontrei, sem palavras, a minha maneira. E entrei seu entrar. E em silêncio ficamos conversando vinhos, o poeta e eu, caladamente falando de mares e amares e de alguma poção infalível contra a calvície.

Compartilhamos camarões ao pilpil e uma prodigiosa torta de Jaibas e outras dessas maravilhas que alegram a alma e a pança, que são, como ele sabe muito bem, dois nomes para a mesma coisa. Várias vezes erguemos taças de bom vinho, e um vento salgado golpeava nossas caras, e tudo foi uma cerimônia de maldição da ditadura, aquela lança negra cravada em seu torso, aquela puta dor enorme, e foi também uma cerimônia de celebração da vida, bela e efêmera como os altares de flores e os amores passageiros.”

“Aconteceu em La Sebastiana, outra casa de Neruda, debruçada sobre a montanha, sobre a baia de Val Paraiso. A casa estava fechada à pedra e cal, com tranca e cadeado e debaixo de sete chaves, habitada por ninguém, fazia muito tempo. Os militares tinham usurpado o poder, o sangue tinha corrido pelas ruas, Neruda estava morto de câncer ou de dor. E então uns ruídos estranhos, no interior da casa fechada, chamaram a atenção dos vizinhos. Alguém chegou perto e viu, por seu janelão alto, os olhos brilhantes e as garras de ataque de uma águia inexplicável. A águia não podia estar ali, não podia ter entrado, não tinha por onde entrar, mas estava lá dentro; e lá dentro agitara violentamente as asas”.

Partiu o poeta. Fica, permanece no tempo, sua obra, sua poesia imperecível e imortal. Lírica, romântica, sentimental. (Memorial de Isla Negra, Vinte poemas de amor e uma canção desesperada, Canto geral, entre tantos outros) e seus sonhos de liberdade, de um socialismo liberto. (E tudo passa através do coração). A força de um retrato vigoroso, de sua vida, seus amores, de seu tempo, de sua gente.

Neruda, Pablo Neruda.

PS: Os trechos no corpo do texto que estão em letra itálica são do formidável poeta Pablo Neruda. E os trechos do texto na parte final, são do também formidável escritor uruguaio Eduardo Galeano que infelizmente recentemente nos deixou.

* Fernando Amarante é escritor e poeta