Um brinde a você, Tião Navarro!!!
O jornalista Marcos Cripa comenta sobre como conheceu Sebastião Navarro
O jornalista e professor universitário Marcos Cripa comenta sobre como conheceu o falecido ex-prefeito Sebastião Navarro Vieira Filho.
Amanhã, Sebastião Navarro Vieira Filho, a quem eu e muitos outros tratavam apenas por Tião, completaria 80 anos. Vencedor na vida pessoal e política, quis o destino que um câncer no pâncreas o tirasse do nosso convívio há sete dias.
Ele não teve tempo para comemorar a data brindando com uma taça de vinho ou uma dose de uísque, bebidas que moderadamente apreciava. Mas esse mesmo destino impediu que ele presenciasse o braço de ferro implacável que está sendo travado, notadamente nesta semana, entre a direção da Santa Casa de Poços de Caldas e a prefeitura, desde que o hospital, alegando falta de verbas tomasse a fria e desumana decisão de não mais atender novos pacientes de câncer.
Já são quase 100 novos casos de pessoas que podem sucumbir da mesma maneira fulminante como aconteceu com Sebastião Navarro no último sábado. A diferença é que Tião chegou a ser atendido e operado em Campinas. A família e ele tiveram a esperança do tratamento e da cura, embora soubessem da gravidade.
Os demais, de Poços de Caldas e da nossa região, são agora apenas números nesse braço de ferro da esperança. Ou da morte, não sei ao certo. Foram relegados, desprezados e tiveram as portas fechadas ao atendimento. Se se trata de câncer inicial ou metástase, se sentem dores ou se estão medicados pouco importa para os contendores. A verdade é que, embora seres humanos, passam, agora, a fazer parte de uma fila a espera de tratamento.
Viraram índices e números enquanto a direção da Santa Casa e os representantes da prefeitura se engalfinham em atribuir responsabilidades um ao outro. A mim pouco importa saber quem está certo ou errado nesse embate. O que importa analisar é que pessoas podem morrer enquanto se discute a contenda. Uma discussão paquidérmica na área da saúde pode levar o paciente à morte, dependendo do tempo para se iniciar o tratamento.
E é isso que está em jogo. Quem me conhece e acompanha minha atuação política e jornalística pode estar a perguntar: o que alguém forjado na esquerda e ex-militante do ex-Partido dos Trabalhadores tem a ver com Sebastião Navarro, que sempre se colocou à direita politicamente? O que tem a ver a morte do Tião com o embate entre a Santa Casa e a prefeitura? Tem MUITO a ver, como veremos adiante.
Divergíamos em muitas coisas, mas eu soube descobrir no Tião referenciais muitas vezes negligenciadas pela esquerda. Sempre falei a ele tudo o que pensava sobre a maneira dele administrar. E ele sempre respondeu a todos os questionamentos, deu todas as explicações e se colocou à disposição para explicar seus pontos de vistas. Em algumas das discussões, chegou a me convencer.
Nos conhecemos no estúdio da EPTV, em Varginha, quando ele acompanhava Gustavo Frahya (PFL) em um debate eleitoral no ano de 2000. Eu assessorava Paulo Tadeu (PT) e era um dos coordenadores da campanha petista daquele ano. O jornalista Wiliam de Oliveira, que estava com o candidato Luiz Antônio Batista (PTB) naquela ocasião, é testemunha do diálogo que reproduzo a seguir e que tinha tudo para fazer com que Sebastião Navarro e eu nunca mais nos falássemos, tal o grau de ironia.
Navarro tinha conhecimento da minha existência política na cidade, mas procurou trazer a tensão do debate também para os bastidores, como fazem os experientes políticos. Ao ficarmos frente a frente ele estendeu a mão para me cumprimentar e perguntou:
– Quem é você?
Respirei fundo e, sem soltar a mão dele, respondi:
– Meu nome é Marcos Cripa, sou jornalista e estou assessorando o candidato Paulo Tadeu.
E disparei:
– E o senhor, quem é?
Ele avermelhou imediatamente pescoço e rosto, particularidade que mais tarde fui saber tratar-se de reação a um momento de raiva dele, e respondeu:
– Meu nome é Sebastião Navarro e estou acompanhando o Gustavo Frahya.
Fez uma pausa e, ainda segurando minha mão, prosseguiu:
– Muito prazer.
Nos afastamos, o debate transcorreu sem maiores problemas e o candidato que eu apoiava saiu-se vencedor naquela eleição. Conto esse episódio para apontar uma das características mais marcantes da personalidade do Tião. Ao dizer “muito prazer” ele abriu a perspectiva para voltarmos a conversar no futuro, o que de fato ocorreu a ponto de nos tornarmos amigos na última década.
Ele com suas convicções, eu com as minhas, mas ambos sempre respeitosos. E foi exatamente com essa característica de não permitir esticar a corda a ponto dela se romper, que ele, na condição de prefeito, resolveu uma das piores crises que a Santa Casa já enfrentou. Através do diálogo e da articulação política, Tião conseguiu legalizar, na câmara municipal, uma ação que retirou R$ 14 milhões dos cofres do DME e fez o repasse a uma Santa Casa falimentar na ocasião.
Aquela ação deu folego para que o hospital prosseguisse com todos os atendimentos até o momento. Agora, novamente a Santa Casa diz ter uma dívida de R$ 15 milhões e impede pacientes acometidos pelo câncer de receber tratamento apropriado, justo e digno. Peço desculpas à família e aos demais amigos do Tião para dizer: que bom que ele não vai ter de acompanhar essa contenta entre Santa Casa e prefeitura enquanto o povo fica sem atendimento e permanece barrado na porta de entrada do hospital.
Assim como eu, ele também acharia isso tudo uma atitude indigna, desumana e humilhante. Se vivo estivesse e prefeito fosse, certamente Sebastião Navarro encontraria uma solução para o problema. Não deixaria a situação degringolar e chegar ao ponto em que chegou. Um brinde a você, Tião!!!
* Marcos Cripa é jornalista e professor universitário. E-mail: mcripa@uol.com.br