MPMG e MPF propõem ação contra a ANP por conta de normas que alteraram regras sobre comercialização de combustíveis

O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e o Ministério Público Federal, ambos em Uberlândia, protocolaram uma Ação Civil Pública (ACP) nesta quinta-feira, 4 de maio, contra a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), por conta de inovações trazidas pela Lei Federal nº 14.292/2022 e pela Resolução ANP nº 858/2021. Para os MPs, as mudanças alteram, de modo significativo, as regras de comercialização do revendedor varejista e do transportador-revendedor-retalhista (TRR). O quadro atual é de ofensa não apenas à segurança jurídica, como ao próprio direito regulatório e aos direitos fundamentais do consumidor.

MPMG e MPF pedem que a Justiça obrigue a ANP a fiscalizar, vedar e restringir a venda de combustíveis na forma delivery no país, considerando o dever de segurança e o repasse indevido de risco ao consumidor. Além disso, pedem ainda que a ANP seja obrigada a fiscalizar, vedar e restringir a venda de combustíveis ‘bomba branca’ em postos ‘bandeirados’ evitando-se a prática de publicidade enganosa e a indução a erro do consumidor, especialmente os hipervulneráveis.

Outros pedidos feitos na ação: declaração incidental de inconstitucionalidade¹ do artigo 1°, da Lei nº 14.292/2022, na parte que altera a Lei nº 9.478/1997 no tocante ao artigo 68-D (delivery de combustíveis); e no mesmo sentido da Resolução ANP nº 858/21 para rever as regras de comercialização do revendedor varejista e do TRR, permitindo a venda direta de gasolina “c” e etanol fora dos posto de combustíveis.

Os Ministérios Públicos pedem ainda a declaração incidental de inconstitucionalidade do Decreto 10.792/21 e da Resolução ANP nº 858/2021 que permitem a comercialização de combustíveis de outros fornecedores no mesmo estabelecimento.

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Greve dos caminhoneiros e início das mudanças

Conforme argumentam MPMG e MPF, as discussões sobre as medidas aprovadas tiveram início em 2018, com o início da greve dos caminhoneiros. À época, a ANP adotou um conjunto de medidas de flexibilização, excepcionais e temporárias, com o intuito de garantir o abastecimento do mercado. Depois do fim do movimento grevista, e em especial, após a publicação da Lei nº 13.874/2019 (Lei de Liberdade Econômica), a ANP passou a avaliar possíveis alterações com o intuito de aumentar a eficiência no mercado de combustíveis no Brasil, sendo aprovada a Resolução ANP nº 858/2021.

Por sua vez, em janeiro de 2022, foi publicada no Diário Oficial da União a Lei nº 14.292, que, além de mudar a sistemática de cobrança do PIS/Cofins, autorizou a venda direta de etanol para os postos de combustíveis. Isso desobrigou produtores de comercializar com o mercado varejista por meio das distribuidoras, restando autorizado, também, a revenda varejista de gasolina e etanol hidratado fora do estabelecimento autorizado, limitada ao município onde se localiza o revendedor varejista autorizado, na forma de regulação pela ANP.

Alterações trazidas pela Lei Federal nº 14.292/2022 e pela Resolução ANP nº 858/2021
Uma das alterações foi a permissibilidade do delivery de combustíveis, com a atividade de delivery podendo ser exercida a partir de autorização específica da ANP. No entanto, tal atividade está restrita ao etanol hidratado e gasolina “C”. Para aderir ao programa, o posto deverá estar adimplente com o Programa de Monitoramento da Qualidade da ANP (PMQC) e o delivery deverá ser feito até os limites do município onde se encontra o revendedor varejista autorizado pela ANP.

Outra mudança foi a permissibilidade expressa ao TRR para comercializarem gasolina “C”. Originalmente, ele estava autorizado a comercializar somente diesel. No entanto, a Resolução nº 858/2021 aprovou também a comercialização de etanol hidratado.

Além disso, houve também alteração na tutela de fidelidade à bandeira. As novas regras determinam que o revendedor varejista deve informar em cada bomba medidora, de forma destacada e de fácil visualização, o CNPJ, a razão social ou o nome fantasia do distribuidor fornecedor do respectivo combustível automotivo. Caso opte por exibir marca comercial de um distribuidor de combustíveis e comercializar combustíveis de outros fornecedores, deverá exibir, na identificação do combustível, o nome fantasia dos fornecedores.

Conforme a ACP, que tem efeito nacional, em novembro de 2021 foi publicada no Diário Oficial da União a Resolução ANP nº 858/2021, que alterou regras relativamente à comercialização de combustíveis. O novo regulamento modificou a Resolução ANP nº 41/2013, que trata da atividade de revenda varejista de combustíveis automotivos, a Resolução ANP nº 8/2007, que estabelece os requisitos para o exercício da atividade de TRR, bem assim a Resolução ANP nº 58/2014, que normatiza a atividade de distribuidor de combustíveis.

Apesar de reconhecerem que duas das alterações trazidas pelas normas se mostram benéficas ao consumidor, quais sejam, preços dos combustíveis expressos em duas casas decimais e envio à ANP das coordenadas georreferenciadas (GPS), os MPs entendem que os benefícios aos consumidores param por aqui.

A ação coletiva destaca que há clara infringência a diversos preceitos da legislação brasileira, como: publicidade enganosa; atuação do fornecedor em desconformidade com o registrado na ANP, em sua ficha cadastral; informação quanto à origem do combustível, nas bombas e bicos abastecedores, se ausente ou em desacordo com as notas fiscais de aquisição; precificação, nas bombas e bicos abastecedores, em desacordo como o painel de preços; repasse de risco ao consumidor pela venda delivery entre outros.

O perigo de dano, segundo MPMG e MPF, se deduz do fato que as alterações confundem o consumidor e permitem que ele compre combustíveis levados pela aparência ou erro. “Além do mais, outro ponto que merece a maior relevância, em razão da sua gravidade, está ligado à qualidade dos produtos e serviços, pois tanto a Resolução ANP nº 858/2021 quanto a Lei nº 14.292/22 permitem a entrega (delivery) de produtos inflamáveis ao consumidor, transferindo o risco do empreendedor para o consumidor vulnerável, pois terá que armazenar ou consumir utilizando meios de segurança próprios, o que pode afetar a sua integridade física quando esse não estiver capacitado para isso”, ressaltam os MPs na ação.

¹A declaração incidental de inconstitucionalidade implica em mera desaplicação da lei, ou seja, na recusa de sua aplicação para solucionar a controvérsia deduzida em juízo. A lei não é prejudicada em sua vigência ou em sua eficácia perante terceiros.

Fonte: Ministério Publico MG