Maria

- Senta, Maria, ele não volta.
O olho, as pernas e os braços roxos denunciavam a ação do marido.
-Maria, ele não volta. O povo do Capão está dizendo que já deve ter comido poeira a galope. O coronel não aceita desonra de dívida.
Maria, no silêncio obstado, começou a fazer o jantar. Os filhos pequenos, assustados, espreitavam a mãe. Ela lançou um olhar demorado para a casa, para as panelas, para o curral e para o terreiro ainda com café para secar.
Virou a gamela e viu seu reflexo. As sardas no rosto, o cabelo escuro, a boca igual a da mãe. Pensou muito na mãe, dicuiando o sabão de cinza, colhendo paina para os travesseiros, fazendo as rezas e benzendo o povo.
Lembrou do pai severo e da obrigação de matrimônio com o primo do São João Batista. Povo ruim do Douradinho.
Gente sem tenências nem governos. Deixou a casa em tratativas apressadas, firmadas em horas de um dia. Sem tempo para se despedir dos cômodos, do paiol, dos bichos, das criações.
Os irmãos chorando, agarrados ao seu bornal e o pai satisfeito em firmar acordo de terra com parente. Sorvia o café com o tio e olhava de soslaio pela janela como se ela fosse uma rês amiudada, de pouco valor. Sentira-se rustida por dentro, retalho da bainha...sobras de costura.
A mãe, com olhar triste, batia os pés com força no pedal da máquina para terminar a aná-gua e o véu da Igreja. Fincou na soleira da porta.
Não teve tempo de lhe entregar. O povo ao pé da Igrejinha, o vestido de gabardine da prima e um ódio vencido, conformado de posar para a única foto que tirara na vida com um homem pelo qual nutria desprezo.
Violento, com voz de mando e reio sempre à mão, comprazia-lhe machucá-la pelas horas e sem motivo. Guardou a gamela.
- Maria?
Maria voltou a si. Despediu-se da vizinha. Caminhou até o paiol, retirou com cuidado a espingarda afundada no balaio de sabugos.
O ruído da noite não lhe metia medo. Sentia-se pela primeira vez em conforme com as coisas, em algum lugar nos certos.
Guará na beira da mata. Pendurou a arma atrás da porta. Fechou as tramelas. Pensou no marido caído na última fileira do cafezal.
- Ele não volta.
* Lidiany Oliveira Chianello é professora na UEMG Poços de Caldas
Qual é a sua reação?






