Mais um dia nada comum…

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Trabalhar na escola parece ser fácil, afinal, há quem diga que tiramos férias mais de uma vez ao ano. A verdade é que temos poucos dias de descanso, porque quem conhece exatamente o ambiente e a rotina escolar sabe que precisaríamos muito mais que alguns recessos e emendas de feriados.

Então, a frase completa seria: Há quem diga que tiramos mui-tas férias durante o ano. Nós dizemos com propriedade que quem fala isso não conhece de forma alguma a dinâmica verdadeira de uma escola.

Tranquilidade não pode ser usada como uma palavra específica para nós… raramente, e quando acontece é de se espantar. Mas alguns dias são muito mais tumul-tuados que o normal.

Na correria, às ve-zes esquecemos de observar o que realmente faz sentido. Nestes dias de caos precisamos tirar algumas conclusões e fazer avaliações em cima disso, rever o que pregamos e o que vivemos e cuidar dos detalhes que no cotidiano tornam-se invisíveis.

Diante de uma manhã de terça-feira pra lá de agitada fiquei feliz de reconhecer alguns pontos positivos e importantes.

Descartando os fatos de socorro, preocupações, sus-tos, surtos e chiliques, que bom que no meio do furacão percebemos que temos auxiliar de inclusão que conhece seu aluno e é capaz de identificar que ele está triste e com sintomas de gripe, mesmo antes dele manifestar uma febre alta.

Ela escuta o que ele nem sempre consegue dizer, porque ela está disposta a ouvi-lo. E as lágrimas hoje falaram por ele.

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Em meio a várias reuniões agen-dadas conseguimos dividir os olhares porque enquanto um profissional atendeu em uma sala, outro levantou e adiantou o serviço para que nenhuma família ficasse muito tempo esperando.

São famílias geralmente agendadas, mas não todas. São algumas que compreendem as explicações, mas não todas. São famílias geralmente educadas, mas não todas.

Como dizia minha mãe: “Seja educada, mas nem sempre receberá o mesmo tratamento e nem por isso deixe de ser”. Seguimos tentando! Um aluno que dorme na sala pode estar somente com sono.

Mas pode ser por 27 motivos diferentes ou mais. E o horário de café é sagrado. Um momento de respiro, um líquido que ajuda a gente a continuar e encerrar a manhã.

Mas temos professor que deixa seu horário ou chega atrasado no intervalo para saber de verdade da vida deste menino que dormiu e se tem algo a fazer por ele.

Ser um educador humano é ver no olho do outro a dor que ele conta que descobriu que existe uma história por trás daquela cabeça deitada em cima da carteira.

Uma professora que recebe um pedido de socorro de uma aluna por bilhete alcançou um nível de confiança tão grande daquela vida que é capaz de perder o sono pensando no que pode fazer por ela e por tantas outras que não conseguiram ainda fazer este desabafo.

Uma aluna com Síndrome de Down que pede música no dia do aniversário é tão gratificante para quem põe a música na hora do recreio que pensamos que de alguma forma ela foi tocada. É por amor.

Uma funcionária disposta, recém-chegada, que compra nossa bagunça e faz festa sem aniversário programado. Sabe aquela leva de professores que anima e faz passinhos dos anos 80? Temos!

Que tira o foco das notícias do jornal onde só passam tragédia? Temos! Que luta para fugir de músicas sem conteúdo produtivo, mesmo que passemos um pouquinho de vergonha? Sim, fazemos.

Professora que percebe que o aluno estava nervoso e com diálogo e calma conseguiu encami-nhá-lo para uma prosa curta.

Professora que é atendida no meio do corredor, com uma planilha de notas na mão, tirando dúvidas de encerramento de contrato porque não conseguiu um tem-po inteiro para conversar.

Uma professora eventual que toma as providências sem alguém pedir porque ela está vendo que a situação exige rapidez e curativo. Uma pessoa que desespera vendo outro aluno machucado e depois não sabe nem onde colocou o gelo.

Uma supervisora que liga para o SAMU e o médico primeiro precisa acalmá-la para prosseguir o atendimento. Professores que cumprem as regras sem perder a classe, sabemos que não dá para ficar fazendo exceção, mas aquele toque diferenciado de carinho muda o dia de muita gente por aí.

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Que seja uma conversa rápida no corredor, mas que significa: eu te vejo. Pode ser por meio de brincadeiras? Pode! Tem gente que exagera? Tem! Mas ainda assim… continuo acreditando que é na tentativa de acertar e fazer uma aproximação sincera e mais divertida.

O espaço de convivência só é prazeroso porque as pessoas querem que seja. É um tumulto, não conseguimos seguir o cronograma todos os dias, nossas funções se transformam em atendimentos de UPA, sala de sutura, reunião familiar, aconselhamento matrimonial, telefonista, psicóloga, médico, motorista, agente de trânsito e qualquer outra opção que se fizer necessário naquele momento.

Parece impossível pensar nisso, mas às vezes é urgente que enquanto uma pessoa vai falando a outra vai andando atrás para ouvir e as duas que trabalham na mesma sala coloquem em pauta as informações para a próxima reunião. Hoje isso aconteceu até a porta do banheiro.

Tivemos que correr para levar aluno que caiu, machucou e passou mal com sangue; aluno que desmaiou; professor que se preocupou e buscou fruta; professora que largou o chá e foi buscar gelo para o galo na testa; auxiliar de serviços gerais que separou briga; secretário que ouviu falta de respeito e mostrou sua indignação.

Para concluir uma manhã nada calma, uma briga de estudantes na porta da escola (ou talvez um pouco mais pra baixo, porque na concepção de alguns, o entorno da escola não nos diz respeito). Quem dera respondêssemos só do portão pra dentro… e ainda assim, olha lá!

Enquanto uns ligaram para a polícia (que não atendeu), o moço do cargo que por tudo responde com seriedade saiu em busca de tentar amenizar o estrago. Talvez tenha conseguido, mas não existe esta certeza. Diversas situações extrapolam nosso acompanhamento e compreensão.

Não estamos falando de novela ou cenas de um filme imaginário. Estamos falando de um período de trabalho de quatro horas, com pessoas reais, que erram às vezes, mas que acertam muito em busca de uma educação de qualidade. Isso tudo só faz sentido porque ninguém caminha sozinho e isolado dentro de uma escola.

É uma alegria ver a disposição que os professores amam o que fazem, o olhar de carinho pela vida de outro ser humano, o amor de quem junto com você escolheu a profissão por acreditar que podemos fazer diferente.

A gente percebe que escolheu a profissão certa quando encontra outras pessoas que carregam brilho nos olhos. No final das contas, o que faz diferença é a equipe de qualidade que você trabalha. E eu sou imensamente feliz com a minha!

* Polyana da Costa Jerônimo é supervisora pedagógica da Escola Municipal Dr. Pedro Affonso Junqueira, na Zona Sul de Poços de Caldas. E-mail: polycjeronimo@gmail.com