La La Land é ótimo no que se propõe a ser

Filme é feito na medida para encantar seu espectador

O crítico de cinema Marcelo Leme comenta sobre La La Land, que recebeu 14 indicações ao Oscar 2017.

Nem todo mundo gosta de musicais. Mas esse é um gênero imprescindível que gerou clássicos absolutos, obras-primas memoráveis que ainda alimentam o fascínio de cinéfilos em todos os cantos do globo. O musical rouba a realidade e entrega o sonho – períodos conturbados da história americana tiveram nos musicais um escape.

No entanto não vemos musicais com grande frequência no cinema contemporâneo, não é? Às vezes um aparece e todas as atenções se voltam a ele. E qual a razão? É como se todo musical fosse dotado de uma magnificência que faz dele incontestável ou, pelo menos, que lhe garante digna atenção. Isso obviamente não faz deles mais especiais que outros filmes convencionais.

Emma Stone e Ryan Gosling, em cena de La La Land

La La Land – Cantando Estações (2016), de Damien Chazelle, é o mais novo sucesso que vem provocando encantamento até mesmo naqueles que torciam o nariz para o gênero. Mas me peguei pensando, La La Land é de fato um musical ou é um filme com bons números musicais? É evidente que tal indagação em nada influirá no que é o filme de fato. É ótimo no que propõe ser, com alguns momentos geniais e outros nem tanto.

É graças a esses ótimos instantes que tudo reverbera com entusiasmo, juntamente as cores, os tons lúdicos, as canções empolgantes e seus cativantes protagonistas. A cena inicial é um deleite, um convite coreografado, arquitetado de modo a compreender o signo de um musical, evocando o passado e a memória presente nele, em suas representações históricas. Veja nos créditos aparecendo o anúncio da tecnologia Cinemascope, sucesso à época!

É para nos lançar de vez a década de 50. A sensação, por vezes, é de estamos lá trombando com Vincente Minnelli, Gene Kelly, Humphrey Bogart, James Dean, Ingrid Bergman… ahhh, Ingrid Bergman. Seu rosto no papel de parede em um quarto é um expoente artístico. E a janela citada em que ela dividiu com Bogart em Casablanca (19-42) refere-se ao que é o cinema, uma janela para os sonhos. E o que melhor funciona? As referências que dignificam o texto com suas abstrações temáticas.

Desde referências óbvias como Cantando na Chuva (1952) e Sinfonia de Paris (1951) a Os Guarda-Chuvas do Amor (1964) e lapsos de Uma Mulher é Uma Mulher (1961). Mas Emma Stone não é Anna Karina. La La Land é muito mais francês do que Hollywoodiano – nada me tira da cabeça traços da nouvelle vague em suas cores e formas – e tem uma estrutura de roteiro bem demarcada, ciente de suas possibilidades e ousando um rompimento temporal numa cena próxima ao fim de maneira quase idêntica a proposta pelo jovem canadense Xavier Dolan em seu premiado Mommy (2014).

Linda e crucial nas intenções de trazer o espectador para dentro do filme, podendo emociona-lo e frustrá-lo. Ryan Gosling me parece muito melhor dançando do que cantando. O ator, inclusive, está melhor em algumas produções recentes do que nesta aqui.

A composição de seu personagem interessa muito: surge como um possível bad boy ao melhor estilo James Dean em Juventude Transviada (1955), e poderíamos supor que ele encontraria alguma gangue conforme Amor, Sublime Amor (1961), mas surpreende por ser mais alguém buscando por um sonho na terra dos sonhos.

Só aguardei ele vestir um blazer branco, pedir um drink e ouvir jazz como Rick Blaine. Não aconteceu. O jazz sim! E Emma Stone, dona de uma das vozes mais notáveis de Hollywood, mostra-se adorável e ideal ao papel, cantarolando e dançando. É a dupla perfeita funcionando divinamente pelo bem da narrativa. Há outros grandes nomes envolvidos, como J.K. Simmons que trabalhou com Chazelle em Whiplash: Em Busca da Perfeição (2014) e mostra a veia cômica conquistada com os Coen em Queime Depois de Ler (2008).

La La Land é muito bonito, feito na medida para encantar seu espectador, pois recorre a nostalgia para funcionar. Isso não é um problema, é uma ferramenta usual e funcional que Damien Chazelle se apropria com competência. De original não há nada. O Artista (2011) também não teve nada de original e foi feliz.

A nostalgia é um amparo em qualquer expressão artística. Para os cinéfilos, ela nunca será demais. Mas segui pensando, La La Land é de fato um musical ou é um filme com bons números musicais? Seus bons números alimentam a narração e o difere do marasmo romântico esque-mático recorrente em produções que dizem ser romances.

* Marcelo Leme é psicólogo e crítico de cinema. E-mail: marceloafleme@gmail.com