Kong: A Ilha da Caveira é a melhor versão de King Kong
Filme é adaptação baseada no filme original
O crítico Marcelo Leme comenta sobre Kong: A Ilha da Caveira, considerado por ele como a melhor versão de King Kong nos cinemas.
Kong: A Ilha da Caveira não é uma refilmagem, mas uma adaptação baseada na obra original. A cena inicial se passa em 1944, perto do fim da segunda guerra mundial. Em sequência somos levados a 1973, dessa vez em meio a guerra do Vietnã. Em uma fala no decorrer da história, um personagem diz algo sobre fazer inimigos.
Eis uma contextualização adequada às pretensões políticas do projeto. Uma ilha perdida no pacífico, então, é finalmente descoberta, aparecendo como possibilidade econômica. Mas há algo lá que o mundo desconhece. A Ilha da Caveira do subtítulo é o lar de um monstro.
Nesse contexto há duas linhas de concepção: o discurso enfaticamente político tendo os Estados Unidos como protagonista e ação originada do confronto entre soldados americanos e Kong. O roteiro ruim transita por ambos e despenca sobre um desagradável problema que anda contaminando significativa parte das grandes realizações hollywoodianas. A produção requintada é um deleite para os olhos e você, espectador, provavelmente se divertirá.
A câmera não é frenética como na maioria dos filmes de ação contemporâneos. Ela é usada com inteligência em benefício da cinematografia e do ritmo da narrativa, explorando toda a área espacial da ilha, nos convencendo de sua magnífica beleza e também dos perigos desconhecidos escondidos em seu meio.
Alguns planos são estetizados com elegância, especialmente os aéreos, tal qual aquele que mostra helicópteros em sincronia; ou com as rimas visuais funcionais, como a libélula num primeiro plano e os helicópteros ao fundo; ou na oportunidade que a tridimensionalidade dá ao nos colocar dentro de uma aeronave a partir de um plano sequência, com Kong do lado de fora atacando. Tudo isso está a serviço do espetáculo que o filme visa promover.
E ainda tem uma boa trilha para embalar, com Black Sabbath, Creedence… e faltou The Doors que imediatamente nos ligaria ao filme que este presta tributo, Apocalypse Now (1979). A produção impressiona sem originalidade, mas com competência. A fotografia, por exemplo, pega emprestado planos do mencionado Apocalypse Now. Os planos em tons alaranjados contrastam com o verde outrora dominante.
Os humanos trazem fogo e roubam a beleza bucólica com napalm. Similar a obra de Coppola, além das paletas e dos planos correspondentes, reside a ideologia da guerra e a discussão sobre ela, e as consequências de suas discutíveis finalidades. Personagens são construídos a partir dessa ótica, com destaque ao Preston Packard de Samuel L. Jackson, uma versão orgulhosa, mas não excepcionalmente insana do Coronel Walter E. Kurtz, vivido por Marlon Brando.
O diretor pouco conhecido Jordan Vogt-Roberts é bom com a imagem – auxiliado por uma produção experiente –, mas é incapaz de deixar alguma marca de originalidade a não ser replicar uniformidades do gênero e encontrar bons enquadramentos. Vai pior quando dirige atores. Note que todos eles parecem ter tido a mesma orientação: arregalar os olhos frente ao desconhecido, num aspecto spielbergiano.
Brie Larson se sai melhor nesse quesito, já que Vogt-Roberts investe em sua composição em diferentes quadros, ora sorrindo maravilhada com sua câmera – ela é fotógrafa de guerra –, ora espantada com os monstros impressionantes. A moça, recentemente oscarizada, tem um papel de destaque que ecoa em sua vida particular de militância em movimentos feministas. O roteiro esquemático ao menos dá conta de deixar a história bastante clara.
Há ação de sobra e instantes que inevitavelmente nos lançam a alguns clássicos de guerra importantíssimos, como Nascido para Matar (1987), e inspirações de monumentos como Comboio do Medo (1977) e Fitzcarraldo (1982). Mas esse roteiro, conforme dito, busca refletir ideologia política e trata bem as cenas de ação, mas padece nas incansáveis e por vezes aborrecidas piadas.
É tanta comédia que sentimos falta de tensão para entendermos a ameaça e relevância que um personagem como Kong tem. Este acaba sendo ofuscado em seu próprio filme, já que perde espaço para outros interesses. Enorme, imponente e verdadeiramente ameaçador, ao menos vale afirmar que é sua melhor versão nas telonas.
* Marcelo Leme é psicólogo e crítico de cinema. E-mail: marceloafleme@gmail.com