ENTREVISTA – Geólogo alerta sobre ocupação desordenada
O Jornal da Cidade entrevistou o geólogo, que avaliou os eventos que trouxeram caos e destruição ao Centro
O Jornal da Cidade entrevistou o geólogo e consultor ambiental Marcelo Freitas Guimarães, de Poços de Caldas, que avaliou os eventos que trouxeram caos e destruição ao Centro da cidade na terça-feira, 19. Para ele, “o evento pode ser considerado um fenômeno natural e que o desastre é resultado da falta de planejamento ambiental durante todo o processo de urbanização da cidade”.
JC – Como explicar a recente tragédia ocorrida no Centro da cidade? É possível apontar responsáveis?
Marcelo – Primeiramente é preciso compreender o comportamento dinâmico da natureza. A história geológica nos mostra que é comum a existência de fenômenos naturais extremos, que são catastróficos do ponto de vista humano, mas curiosamente redundante, é natural para a natureza. A magnitude e a frequência destes eventos variam em escala de tempo, espaço, energia e volume, e obras de infraestrutura, tem sua eficiência limitada. A causa dessa, e da maioria das tragédias nas cidades brasileiras, está na ocupação urbana desordenada e irresponsável, enraizada no início do processo de urbanização e, obviamente, agravado durante todo o desenvolvimento da sociedade. Sem entrar no mérito da qualidade administrativa da atual gestão, culpá-la pela tragédia ocorrida na última terça-feira, não é apenas um erro, mas um ato de extrema irresponsabilidade, pois além de não contribuir com o diálogo e a superação da tragédia, evita que as pessoas se informem, aprendam e passem a agir de forma mais consciente e responsável. Perde-se assim, a oportunidade de fomentar o conhecimento sobre um assunto tão importante e exime a população e oa sociedade, das suas responsabilidades.
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JC – Por que a área central foi a mais atingida?
Marcelo – Tecnicamente, as principais áreas da cidade, como as avenidas João Pinheiro e Francisco Sales, as ruas Marechal Deodoro e Junqueiras, assim como a praça Pedro Sanches e parte baixa da Assis Figueiredo, estão numa região geomorfologicamente denominada de Planície de Inundação, isso quando não estão diretamente sobre o leito dos rios, como o terminal rodoviário urbano, e muitos prédios e estruturas construídas sobre rios canalizados. Ou seja, não foi a água que invadiu esta área, mas a sociedade que ocupou uma área nas margens dos rios, destinada ao alagamento em períodos de chuvas extremas.
JC – Havia algo a se fazer para evitar esse alagamento?
Marcelo – A catástrofe ocorrida em Poços de Caldas só seria evitada se a cidade tivesse outra configuração, na qual respeitasse as exigências que a própria natureza sempre nos deixou muito bem esclarecidas. É curioso, mas animais considerados irracionais, sabem muito bem utilizá-las, ao contrário da grande maioria de nós. O passarinho João de Barro, por exemplo, constrói sua casa considerando a posição do sol e a direção do vento, além de utilizar um material não industrializado de ótima qualidade acústica e térmica; porém, nós, sequer somos capazes de respeitar nossas próprias regras. Como no caso de um cidadão do Jardim Europa que colocou placas de grama sobre piso de concreto para burlar a fiscalização da Prefeitura quanto ao cumprimento da exigência de área permeável, ou o cidadão que joga lixo e entulho nas ruas e é incapaz de aceitar a necessidade de reduzir e separar seu próprio lixo para reciclagem.
JC – Alagamentos como este podem voltar a acontecer na cidade? O que o poder público e a população devem fazer para evitar tragédias como esta?
Marcelo – É importante conscientizar as pessoas de que, indiferente as obras de infraestrutura de drenagem e saneamento, as áreas localizadas nas áreas de risco, estarão sempre sujeitas às tragédias ocasionadas por eventos extremos, e que muitas vezes o dano material será inevitável. Os que estão na fila da cooperação e não na da crítica ou da especulação, deveriam começar por repensar o modo de uso e ocupação do solo e o nosso próprio modelo de vida. Reduzir e recolher seu próprio lixo; Captar, armazenar e utilizar a água da chuva; Desapropriar áreas de preservação ambiental e recompor a cobertura vegetal; Evitar a demasiada impermeabilização do solo; Não permitir a ocupação de áreas de risco, como planícies de inundação e áreas de encosta; Não incentivar a especulação imobiliária; Além de manter e criar novas áreas verdes; estão entre algumas das medidas que podem evitar tragédias futuras em eventos naturais de menor intensidade.
JC – Qual conselho você daria aos comerciantes atingidos pela chuva?
Marcelo – Após compreender que a natureza é imperdoável e assumir que a responsabilidade é coletiva, cabe aos inquilinos, habitantes e lojistas destas regiões, em parceria com os proprietários dos imóveis “irregulares”, a criação de um fundo de arrecadação, captado a partir da cobrança de uma taxa ambiental que sirva de compensação e indenização aos afetados nestes momentos tão tristes. Ou ainda, é aconselhável inserir nos contratos de aluguel, um seguro indenizatório, preferencialmente pago pelos proprietários pois, comumente, já lucram com os aluguéis abusivos destas regiões.