Presença de Drummond em Poços de Caldas

Poços de Caldas, desde os tempos imemoriais, exerceu um grande fascínio sobre todos aqueles que ouviram e ouvem o seu nome.

No início, por causa das águas termais, depois pelas águas, também pelos cassinos, e hoje por ser ainda uma cidade agradável para ser visitada, pois há poucas como ela no Brasil.

Corria o ano de 1953, mês de julho, ocasião em que o presidente da Sociedade de Cultura e Arte – o escritor poços-caldense, Jurandir Ferreira – incumbiu o também escritor Edmundo Mourão Genofre, autor de inúmeros livros, a ir ao Rio de Janeiro a fim de convidar o poeta Carlos Drummond de Andrade para fazer uma conferência sobre Literatura para os membros da Sociedade e, também, para o público de Poços de Caldas.

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Edmundo Genofre procurou o poeta em seu local de trabalho no Ministério da Educação. Drummond, segundo Genofre, causou-lhe excelente impressão, pois era afável e de boa conversa.

Atencioso, respondeu ao seu interlocutor que gostaria de vir a Poços de Caldas, mas não como conferencista, pois não gostava de falar em público.

Prometeu que viria na primeira oportunidade que tivesse, mas como visitante e, na ocasião, procuraria o escritor Jurandir Ferreira.

Também prometeu que enviaria um poema seu, inédito, para ser publicado no Diário de Poços de Caldas, editado pelo jornalista Júlio Dinucci.

O texto foi enviado e publicado a 24 de setembro de 1953, data em que o jornal completava dez anos de existência. Pesquisando nas antologias drummondianas, constatei que este poema não figura na coletânea de suas obras.

Portanto ainda é um poema desconhecido dos estudiosos e leitores da obra do grande poeta mineiro e universal. Drummond nasceu em Itabira-MG a 31 de outubro de 1902.

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TERNURA ERRANTE
Carlos Drummond de Andrade

Urna
que minha tia carregou pelo Brasil
com as cinzas de seu amor tornado incorruptível
misturado ao vestido preto, à saia branca, à boca morena
urna de cristal urna de silhão urna praieira urna oitocentista
urna molhada de lágrimas grossas e de chuva na estrada
urna esculpida em paixão de andrade sem paz e sem remissão
vinte anos viajeira
urna urna urna
como um grito na pele da noite um lamento de bicho
talvez entretanto azul e com florinhas
urna a que me recolho para dormir enrodilhado
urna eu mesmo de minhas cinzas particulares.

Sabemos que Drummond, pouco afeito a viagens, por três vezes esteve em Poços. Uma em 1930, acompanhando o Secretário do Interior de Minas, Gustavo Capanema, tendo se hospedado no Grande Hotel; em 1953; e em 1975, acompanhado de sua esposa Dolores, num final de semana, hospedando-se no Palace Hotel.

* Hugo Pontes é professor, poeta e jornalista. E-mail: hugopontes@pocos-net.com.br