Death Note é drama adolescente que tenta parecer adulto

O filme Death Note é uma produção original da Netflix baseado em um mangá

O jornalista João Gabriel Pinheiro Chagas Freitas comenta sobre o filme Death Note, uma produção original da Netflix.

A Netflix acaba de lançar mais uma produção original, buscando se consolidar como estúdio de cinema e serviço de streaming. A novidade da vez é “Death Note”, que faz adaptação de um famoso mangá japonês.

O risco é grande, já que “Death Note” é muito cultuado pelos fãs, e o dilema era escolher se a adaptação deveria ser literal ou tomar certas licenças poéticas. Pelo jeito, os produtores ficaram em cima do muro e fizeram um filme que mescla estes dois caminhos. A sensação que se tem é que é um drama voltado ao público adolescente, mas que tenta se levar a sério e parecer adulto.

A trama tem um enredo promissor: o jovem estudante Light Turner (Nat Wolff) leva uma vida comum, até que o Death Note cai aos seus pés, sabe-se lá por qual motivo. Quando começa a folhear o caderno, Light sente uma irresistível curiosidade pelo conteúdo. Logo, descobre que ao escrever o nome de alguém no caderno, esta pessoa morre, além de dezenas de outras regras que devem ser seguidas à risca para que ele possa manter a posse do material.

Influenciado pelo monstro Ryuk (Willen Dafoe), um deus da morte que funciona como uma espécie de guardião do caderno, Light começa a fazer justiça com as próprias mãos, exterminando centenas de criminosos, entre eles, o homem que matou sua mãe. No entanto, as mortes cada vez mais passam a despertar a atenção da polícia.

O diretor do filme é Adam Wingard, que tem experiência com filmes de terror e suspense, e é o que ele tenta repetir aqui. Uma das grandes diferenças do mangá para o filme é que os personagens são originalmente japoneses e aqui, são todos brancos, com exceção do detetive L (Lakeith Stanfield), que é negro.

Os produtores tomaram três atitudes para minimizar o fato da trama originalmente não se passar no Japão. Primeiro, é que mesmo que tenham trocado o nome do protagonista de Light Yagami para Light Turner, foi mantido o codinome “Kira” para indicar o responsável pelas morte. “Kira”, segundo o próprio Light explica no filme”, é “meio que assassino, em japonês”.

As mortes “assinadas” por “Kira” também começam pelo Japão, como forma de tentar vincular o personagem ao país asiático. E temos ainda o personagem Watari (Paul Nakauchi), que é o tutor de L e que é realmente japonês. Mas um dos grandes problemas da adaptação fica mesmo por conta da falta de desenvolvimento dos personagens.

Light Tuner, que nos é apresentado como um estudante acima da média, acaba sendo apenas superficial. A impressão que fica é que o Death Note, para ele, é apenas um meio de satisfazer seu ego, tanto que uma das primeiras coisas que ele faz é acabar com um desafeto, sem demonstrar o menor remorso, e depois, impressionar Mia (Margaret Qualley), uma colega da escola, ao lhe revelar o segredo.

A personagem Mia, no final das contas, tem um desempenho até melhor do que Light no desenvolvimento da trama. Ao contrário do mangá, ela não serve apenas de escada para o protagonista: tem personalidade, é determinada e sabe o que quer, chegando ao ponto de se deixar tomar pela cobiça pelo poder que o caderno oferece.

Já o personagem mais caricato do filme, sem dúvidas, é o detetive L. Fruto de experiências psicológicas feitas por alguma agência secreta do governo desde pequeno, o adolescente parece mais uma criança mimada, que não sabe interagir socialmente, e que por sua condição especial de gênio da lógica e da investigação criminal, acredita estar acima do bem e do mal, chegando a ser histérico em alguns momentos e exagerado em seus trejeitos.

O personagem se mostra menos cerebral e mais emotivo do que realmente é. Chega a surpreender a rapidez com que ele relaciona Light ao Death Note, mas decepciona o fato de alguém tão genial como ele simplesmente não dar a devida atenção ao envolvimento de Mia no caso, já que ela e Light não se desgrudam no filme.

Apesar de várias mortes retratadas no filme abusarem do gore e da violência, o que realmente amedronta é o monstro Ryuk. O uso excessivo de efeitos especiais para caracterizá-lo incomoda, mas a postura manipuladora e perversa o colocam como a melhor coisa do filme.

O clímax, pelo menos, não chega a decepcionar e mostra que há ainda muito espaço para desenvolver outras sequências. Certamente que ajustes precisarão ser feitos para que o filme não se resuma a mais um drama adolescente com dezenas de outros disponíveis por aí.

* João Gabriel Pinheiro Chagas Freitas é jornalista e diretor do Jornal da Cidade. E-mail: joaogabrielpcf@gmail.com