Deadpool é deliciosamente insano
O crítico Marcelo Leme comenta sobre Deadpool, o novo filme de heróis da Marvel
Avaliação do Editor
O crítico Marcelo Leme comenta sobre Deadpool, o novo filme de heróis da Marvel. Segundo ele, um dos melhores filmes baseados no universo das HQs Marvel.
Esdrúxulo, estúpido, caricato e de mal gosto… e justamente por isso é deliciosamente insano, absolutamente divertido e metalinguístico. Deadpool é um dos melhores filmes baseados no Universo Marvel. Um suspiro elegante diante filmes replicados.
Ao menos é o mais original entre eles, simplesmente por não se levar a sério e ser capaz de satirizar tudo e todos de maneira pitoresca e acertiva. Mas também, um filme que se preza a referenciar o inesquecível duelo contra o Cavaleiro Negro de Monty Phyton não pode ser um filme qualquer. E não referencia só este, mas também Curtindo a vida adoidado, 007, O Poderoso Chefão, Stallone Cobra, Busca Implacável…
Não me parece justo entrar no caráter de comparação frente a outras adaptações cinematográficas concebidas pela Marvel, tal como a de Homem de Ferro, que até começou bem, mas tornou-se pífia. Tornou-se assim, pois seguiu uma mesma linha sem inovações. Infelizmente o sucesso de Deadpool pode fadá-lo a trilhar caminho similar.
Essa lógica empreendedora, de contar basicamente a mesma história com personagens que usam uniformes de cores diferentes vem se consolidando, ainda que perdendo força. Critico a Marvel por isso, por sua pobreza narrativa, ao mesmo tempo em que a louvo por dar conta de unir bem seus roteiros, ainda que nenhum deles seja minimamente relevante. Pô, para Deadpool, os heróis são os roteiristas. Dá pra negar isso?
O desconhecido diretor Tim Miller tem em mãos um projeto dificílimo. Ora, Deadpool já havia aparecido nas telonas no horroroso X-Men Origens: Wolverine. Como apagar essa aparição? Ryan Reynolds o viveu e aqui repete o papel sem exatamente desconstruir aquele fracassado personagem, mas remodela-lo de modo a satirizar seu próprio fiasco. E tem outra bomba nesse mesmo mérito, Lanterna Verde.
Tim Miller, que deu margens às dicções e gags visuais de seu protagonista, apostou no texto de seus roteiristas (Rhett Reese e Paul Wernick, de Zumbilândia) e deixou o filme se construir sobre as sequenciais piadas. O roteiro não é bom, é refém de flashbacks, mas é funcional em sua proposta. Isso é tudo o que o filme precisava.
Situações óbvias se mantém, deturpadas por uma noção de reação distinta por parte do espectador. Apenas 2 minutos de projeção é o suficiente para nos fazer entender que a qualquer instante uma piada ou uma referência será lançada. São expectativas que são supridas. Estímulo e resposta imediata. Fica fácil gostar, ainda mais para o público que consegue compreender cada alusão.
Os anos 80 são importantíssimos para o cinema norte americano numa ótica de libertação e transgressão, já que imortalizou filmes com jovens cujos comportamentos eram questionáveis – época de John Hughes – e os notórios longas sobre máfia imortalizados graças a própria história dos Estados Unidos poucos anos antes – Sergio Leone e Scorsese fascinaram.
Então gangues de becos entrando em bares coloridos, clubes de strip-tease e drogas fizeram parte do imaginário daquele momento, juntamente a outras características extravagantes. O que me parece é que Deadpool compreende muito bem esse universo e usa ele como base para o desenvolvimento de sua ambientação temática.
Perceba que Wade Wilson, nome de Deadpool, narra seu roteiro, praticamente debochando de sua estrutura padrão tal como a de seus filmes-primos. Isso faz bem a história por um motivo simples: o rompimento da quarta parede que permite outros níveis de concepções e compreensões. Uma escolha muito apropriada a um personagem que existe fora do lugar comum. Faz evocar Woody Allen num contexto de delírio e anarquia.
Vale notar também a atenção voltada a construção de seu personagem, em sua irreverência enquanto piadista até em suas horas mais cruciais. Há instantes de sutilezas que surpreendem, dando margem para que Reynolds desenvolva alguma humanidade a seu anti-herói. São lapsos no filme e são suficientes para a implantação de alguma empatia necessária, em benefício da catarse.
Ryan Reynolds não é um ator ruim. Não construiu, até aqui, uma carreira muito vigorosa. A justificativa de sua ascenção é dada pelo seu próprio personagem em outra sacada apropriada, o que nos remete ao exercício de metalinguagem trabalhado pelo filme. Escrevi que Deadpool narra seu roteiro. Bem, vai além: Deadpool narra sua narrativa, não enquanto um narrador convencional, mas como aquele que faz apontamentos a sua persona e a própria obra em sua estrutura, num tom geralmente crítico.
Pena, às vezes, declinar em pontos em que este mesmo indaga. Entre todas as cenas de humor, as melhores se encaixam aí, nessa relação com o público. Há espaço até para uma espécie de licença lógica, quando enxergamos as expressões em sua máscara de maneira cartunista, quando isso, naturalmente, seria impossível acontecer. Despojado, ainda conta com cenas de sexo e violência que obriga o espectador mais reprimido a pensar duas vezes se continua na sessão ou se vai embora assistir Teletubbies.
A você que ainda não assistiu, fique até o final dos créditos. Uma cena memorável fora reservada.
* Marcelo Leme é crítico de cinema