Pin Ups, Carandiru e Trem da Alegria
O jornalista Daniel Souza Luz escreve crônica em que relata uma passagem por São Paulo
O jornalista Daniel Souza Luz escreve crônica em que relata uma passagem por São Paulo quando se hospedou na casa de um amigo de infância.
Pouco depois, ou pouco antes, de completar 19 anos fiz o vestibular da USP em Sampa. Não passei. Fiquei hospedado no apê da família do meu amigo de infância Maurício Rodrigues, que sempre me convidava para ir lá.
Creio que hoje posso contar esse detalhe sem problemas: eles se mudaram de Poços de Caldas de volta para São Paulo porque o Maurício teve uma overdose no fim de 1990. Horrorizados, seus pais perceberam que não era vantagem criar filhos adolescentes no interior.
Devido a isso, três anos depois, finalmente fiz uma viagem sozinho para São Paulo e tinha onde ficar. Ao chegar, enquanto descansávamos, o Maurício ligou a TV e estava sintonizado na MTV. Fiquei maravilhado: passaram, na se-quência, os clipes de Fuckin’ Up, do Neil Young, e Pure, do Pin Ups.
O Maurício ficou puto: ele, que era de direita e tinha vários discursos preconceituosos quando éramos adolescentes, tinha se tornado esquerdista nacionalista radical no início da vida adulta, ligado à militância ecológica. Quando disse que Pin Ups era uma banda brasileira que cantava em inglês ele ficou mais revoltado ainda.
É curioso, porque o Luiz Gustavo, vocalista do Pin Ups, era um quadrinhista que nos anos oitenta tinha uma franjona caída no rosto e o Maurício se identificou com aquilo quando viu uma foto dele numa Chiclete com Banana minha. Mas estávamos na era grunge e à época o Luiz Gustavo era só mais um cabeludo.
O Maurício xingou a MTV e afirmou que Beavis and Butt-head – desenho animado escatológico pelo qual estava ansioso para assistir – era uma bosta, a cara dos adolescentes gringos mesmo. Então pedi para jogar um simulador de corridas em fliperama ele disse que perto só tinha no shopping e ficou mais ultrajado ainda.
Mas cedeu, pois teve uma ideia genial. Ele levou-me para jogar, mas como morava em Santana, na zona norte, sugeriu, e eu topei, que andássemos em volta de todo o Carandiru, onde houve o massacre de presidiários um ano antes. Fiquei impressionado com o tamanho do presídio, já demolido; tive a impressão que cabia o centro de Poços nele.
De quebra, ele fez passarmos no meio de uma pequena favela. Era muito quieto nela e ele me disse que era sussa mesmo. De volta, passamos pela quadra do quarteirão dele. Ele me diz: “Sabe o Juninho que acabou de nos cumprimentar?”. “Que que tem?”. “Era o Juninho Bill, do Trem da Alegria”.
Parece que ele queria ser boleiro profissional. À noite saí para comer uma pizza e fumei na frente dos pais deles, que ficaram meio chocados em me ver fumando, mas adorei a liberdade de estar em uma metrópole e poder ser eu mesmo. O Armando, pai do Maurício, acabou até me dando um cigarro.
Passei na Unesp em 1994. Abandonei o péssimo hábito de fumar em 1996, felizmente. O Maurício morreu em um acidente de rapel em 1997. Sinto muitas saudades dele. Nunca me esqueci daquele dia em São Paulo.
* Daniel Souza Luz é jornalista e revisor. E-mail: danielsouzaluz@gmail.com