Circular é um direito a conquistar

O professor Tiago Mafra comenta no artigo “Circular é um direito a conquistar” sobre o transporte público coletivo em Poços de Caldas.

O gerente geral da empresa concessionária local do transporte coletivo, Armando Bertoni, utilizou expressões como excesso de gratuidades” para justificar o preço da tarifa de ônibus em Poços de Caldas, uma das mais caras do interior, numa narrativa que joga sobre as gratuidades o peso do preço do sistema.

Além disso, o diretor referiu-se às linhas estudantis como “deficitárias” e defendeu que o poder público deve custear as gratuidades e prever fontes de custeio para elas, pois segundo a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos, a NTU, há “excesso de gratuidades”. Pois bem, ante essas afirmações, algumas ponderações são necessárias.

Primeiro, é preciso falar da sobrecarga de trabalho de motoristas que são obrigados a desempenhar funções múltiplas (motorista e cobrador) simultaneamente, sendo sempre pressionados com o discurso de demissão em massa toda vez que o tema do transporte coletivo vem à tona na cidade.

Uma ferramenta de confundir a classe trabalhadora e colocar trabalhador contra trabalhador. Em segundo lugar, as linhas estudantis, chamadas “deficitárias”, restringem o direito de mobilidade dos estudantes, obrigando-os a se deslocar nos momentos e linhas especificados pela empresa, como se a vivência de outros espaços dentro da cidade não fosse de suma importância para a formação de cada estudante.

Assim, a empresa mais uma vez assume o papel de definição como se fosse dona do serviço, que na verdade lhe é concedido.

O interesse público deveria estar acima, sempre que se definisse qualquer coisa relativa ao transporte coletivo. O terceiro ponto é salientar que temos um modelo de transporte num ciclo vicioso de aumentos da tarifa, pois as linhas e formato de operacionalização do serviço pouco sofrem interferência pública, temos viagens lotadas e tarifa elevada.

E quando benefícios, gratuidades ou novas linhas são requisitadas, o discurso do aumento “inevitável” da passagem volta a aparecer, devido à necessidade de manter o “equilíbrio financeiro” da empresa, conforme contrato vigente.

É necessário e urgente discutir sim, o transporte público, seus subsídios e o direito à cidade por meio de um transporte acessível e digno. Mas é mais urgente discutir a fiscalização do serviço prestado e a forma como os dados do transporte são colhidos, analisados e apresentados ao poder público local, pois são eles que fundamentam e justificam a tarifa.

A fiscalização hoje é uma ilusão distante. Só é possível discutir fonte de custeio e subsídio se tivermos controle popular do serviço prestado e dos dados acerca do transporte público sob concessão.

Em 2019 há a chance de um novo processo licitatório, onde as os termos do contrato futuro devem mudar, sendo mais favoráveis à população. Isso passa pela coragem política de não prorrogar a concessão. Outro aspecto que urge é a Prefeitura Municipal assumir realmente as rédeas do serviço prestado e da fiscalização.

A discussão sobre a gratuidade deve ser encarada não como fardo, mas como direito, como acesso à cidade e como garantia à mobilidade. Para isso, alternativas não faltam, como tarifas sociais, controle real sobre o serviço ou mesmo empresas públicas de transporte, que nos tirem das mãos de quem entende o transporte público como negócio e direitos como excesso.

* Tiago Mafra é professor de Geografia na rede pública municipal de ensino e voluntário no pré-vestibular comunitário Educafro