Audiência pede camelôs em projeto da Prefeitura de Contagem

A Comissão de Assuntos Municipais e Regionalização da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizou audiência pública, nesta quarta-feira (23/10/19), para mediar o conflito entre feirantes e a Prefeitura de Contagem (Região Metropolitana de Belo Horizonte), em razão da ameaça de retirada do Camelódromodo do local onde está instalado desde 1991, na Rua Portugal com Av. João Cézar de Oliveira, no Bairro Eldorado.

A prefeitura pretende executar uma ampla obra urbanística no local, num projeto de Sistema Integrado de Mobilidade (Sim) e melhoria ambiental e, segundo os representantes dos camelôs, não dialoga com os trabalhadores, apenas ameaça retirá-los da área.

De acordo com eles, caso concretizada como propõe o Executivo municipal, a obra vai desalojar cerca de 200 barraqueiros e prejudicar mais de mil trabalhadores diretos e dois mil indiretos. Os camelôs reivindicam a própria inclusão na melhoria proposta para a região.

“Nós cabemos no projeto, podemos ser incluídos e isso vai deixar a cidade mais bonita e mais feliz. Essa também é vontade do povo. Todos sabem que a feira é tradicional e cultural, ela é de todos. A população e a Câmara de Vereadores de Contagem entenderam que é um patrimônio da cidade”, avaliou o representante da Associação dos Barraqueiros do Camelódromo, Jefferson Pereira dos Reis.

Muitos dos camelôs que participaram da audiência deram testemunhos e a principal queixa foi a falta de transparência e de diálogo com a Prefeitura. “Estamos adoecendo com tudo o que vem acontecendo. Como negociar com alguém que nunca nos dirigiu a palavra formalmente?” lamentou Ronaldo Alves Ferreira, que trabalha há 22 anos na feira.

Paulo César Funghi Alberto, Secretário Municipal de Governo, disse que a Prefeitura quer o melhor para a cidade e está aberta a negociar com os camelôs, mas a decisão já estaria tomada.

“Há um projeto pronto faz um ano e o financiamento (US$ 42 milhões) foi assinado hoje. É uma proposta de mobilidade e melhoria urbana que vai beneficiar toda a cidade. O processo de licitação da obra está em curso. A prefeitura enviou para a Associação do Barraqueiros uma proposta para realocar os camelôs, numa espécie de shopping popular em área central de Contagem”, confirmou.

Os representantes dos camelôs, no entando, disseram que ainda não conhecem tal proposta da Prefeitura. Vários participantes questionaram o “shopping popular” e a localização, e enfatizaram que a categoria prefere permanecer no atual espaço.

Parlamentares pedem mais flexibilidade da Prefeitura e inclusão dos camelôs

A deputada Marília Campos (PT) e o deputado Professor Irineu (PSL), autores do requerimento para a realização da audiência, enfatizaram a necessidade de diálogo e transparência, assim como de respeito e consideração pelos profissionais que atuam no camelódromo. Ambos questionaram a inflexibilidade da postura da Prefeitura.

“Estamos aqui para ouvir as pessoas, conhecer a realidade dos problemas e encontrar respostas consensuais. Quero enfatizar a importância da transparência e de se considerar os seres humanos que estão reivindicando inclusão na proposta. É essencial abrir um diálogo que traga boa solução para a cidade, mas também para os trabalhadores e trabalhadoras do camelódromo. O secretário diz que a obra visa a humanizar a cidade, então que inclua as pessoas. É fundamental que a Prefeitura assuma outra postura para que seja possível viabilizar o processo de negociação”, declarou Marília Campos.

“Vivemos um momento de desemprego no País, para mim não faz sentido colocar mais mil desempregados na rua. É preciso avaliar o que realmente é mais importante. Estas pessoas estão aqui na luta pelos seus direitos e tem o meu apoio nesta empreitada. Se o objetivo é humanizar e melhorar, por que não incluir a presença dos trabalhadores no projeto?” indagou Professor Irineu.

Opinião similar foi manifestada pela presidente da Comissão, deputada Rosângela Reis (Pode), pelos deputados Cleitinho Azevedo (Cidadania) e Repórter Rafael Martins (PSD), e pelo vereador de Contagem, Daniel Pereira Fonseca Silva (PP).

“O projeto ainda está no papel, portanto é possível mudar e incluir as pessoas. É preciso colocar vidas em primeiro lugar. A cidade não pode vir antes, são as pessoas que fazem as cidades. Gestor público tem de ter sensibilidade”, ponderou Rosângela Reis.

“Estamos juntos com vocês. Gestor tem governar para o povo. Permaneçam unidos, este é o princípio de toda a luta”, completaram os deputados Cleitinho Azevedo e Rafael Martins.

“Há uma tratativa totalmente truculenta e sem diálogos oficiais por parte da Prefeitura. A gente vê uma das maiores crises de emprego da História, podemos mesmo nos dar ao luxo de desempregar todas essas pessoas para ter uma praça?” questionou o vereador.

Incertezas permeariam direito de posse sobre a área

Ao abordar o direito de posse do terreno ocupado pelos camelôs, o advogado da Associação do Barraqueiros de Contagem, Adriano Oliveira, afirmou que o local nunca pertenceu ao Município e que “apenas os camelôs exerceram e exercem a posse da área (4 mil metros)” que o Executivo quer adicionar ao projeto, retirando esses profissionais. Segundo ele, é possível incluir os trabalhadores na proposta, se a Prefeitura o quiser.

A afirmação foi contestada pelo procurador-geral do município, Carlos Eduardo Araújo de Carvalho, que garantiu que a área em questão pertencia a uma empresa (Compax) que teria negociado com o município, transferindo-lhe a posse.

O representante do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), promotor Leonardo Moreira Alves, informou que o órgão marcou uma reunião na Promotoria de Contagem, no dia 30 de outubro, às 15 horas, a fim de “tentar algum tipo de acordo antes de se chegar à judicialização do caso”.

Já o  defensor público Vladmir de Souza Rodrigues lamentou o fato de a Prefeitura desconsiderar o impacto da obra sobre os cidadãos. “Políticas públicas têm de ser tratadas com sensibilidade social, incluir estudos que avaliem seu impacto nas vidas das pessoas”, avaliou.

Requerimentos – A comissão aprovou uma série de requerimentos para providências sobre as questões que envolvem o Camelódromo, entre os quais pedido para que a Prefeitura de Contagem envie à ALMG cópia do comprovante legal de posse da área em que estão os camelôs e também do projeto urbaniístico que pretende executar no local, além de solicitação formal da Comissão ao Executivo municipal para que não seja iniciada qualquer ação antes de se viabilizar um processo de negociação com os atingidos.