Águas Rasas é grata surpresa em ano fraco de lançamentos

Filme é estrelado por Blake Lively, que tem grande atuação

O crítico de cinema Marcelo Leme comenta sobre Águas Rasas, que ele considera uma boa surpresa em um 2016 fraco de lançamentos no cinema.

Lindas imagens mostram uma praia paradisíaca e uma surfista cortando ondas as margens do imenso mar. A câmera encontra belíssimos planos em diferentes ângulos. Parece publicitário. É como se esperássemos a qualquer momento que anunciassem onde é aquele lugar e quais as condições para irmos até ele.

E penso que dentro da perspectiva da construção de um roteiro, essa beleza plástica com cara de publicidade exerce interessante função à narrativa, pois tudo é repentinamente desfigurado quando o interesse real da obra se sobrepõe ao encantamento daquele pequeno universo pacífico, escondido em meio a bucólica natureza na costa mexicana.

O sangue escorre e a violência eclode quando um tubarão aparece. Uma garota fica presa em uma pedra e o predador permanece rodando em volta. Poderiam dizer que é mais um filme sobre tubarões ou mais um filme sobre sobrevivência. De fato é, mas num nível diferente e bem competente. Você vai lembrar de Náufrago (2000) e, claro, de Tubarão (1975).

Em Águas Rasas, toda a construção inicial – e destaco o artifício alegórico criativo com o qual o filme mostra conversas por mensagens em celulares na telona – parece ciente de onde quer chegar para finalmente deliberar a tensão contida num espaço que por si só oferece ameaças, estas desafiadas por aventureiros.

O destaque de Águas Rasas é a protagonista  tão bem interpretada por Blake Lively
O destaque de Águas Rasas é a protagonista tão bem interpretada por Blake Lively

Corais e fortes ondas são aguardadas. Um tubarão, não. Segundo um surfista ali não existe tubarões. E de onde este veio? Bem, o filme é bem explicado, às vezes demasiado explicado. Também não é um filme que se passa exclusivamente em um só espaço o tempo inteiro como se supõe. Eis um desafio que temos visto com frequência no cinema contemporâneo. Boa parte dele é contextualizado numa rocha que desponta no oceano.

Apenas a maré altera o cenário. Jaume Collet-Serra, o diretor, é quem dá conta de fazer da sessão uma legítima sessão tensa e divertida. Ele vem transitando sobre filmes de gênero, indo do horror de A Órfã (2009) ao ágil e tenso Sem Escalas (2014) – segundo filme a contar com a parceria entre Collet-Serra e Liam Neeson.

Compete ao seu talento o equilíbrio em benefício do sucesso almejado: explorar toda a tensão que uma situação extrema oferece e estimular a interação do público com sua personagem fragilizada, lutando por sua sobrevivência numa conjuntura de terror. E esse verbo, lutar, ecoa em alguns instantes.

É a motivação da protagonista, vulnerável devido ao passado que ainda a atormenta. O destaque de todo o filme é ela, a protagonista tão bem vivida por Blake Lively. É uma estrela em ascensão. A atriz, quase que sozinha – não se esqueça da Gaivota e do próprio Tubarão –, toma conta do filme e transmite todas as sensações possíveis em gestos e em conversas que tem consigo mesma.

Ela é ótima e transfere toda sua angústia frente a possibilidade da morte que a cada minuto torna-se mais factual. Ela naturalmente emprega ainda mais beleza ao cenário com seu corpo dourado, misturando-se ao verde e ao azul característico local. A câmera não tem vergonha alguma em alcançar suas curvas.

Sabe aquela desculpa que tal filme foi feito para divertir? Bem, essa cabe muito bem aqui, já que reconhecemos sua finalidade, ao contrário de tantas outras obras que saem semanalmente com pretensões nas alturas. Eficiente e versado, Águas Rasas é uma grata surpresa num ano tão infeliz para o cinema.

* Marcelo Leme é psicólogo e crítico de cinema, escreve sobre cinema às quartas e finais de semana. E-mail: marceloafleme@gmail.com