A Vigilante do Amanhã adapta mangá clássico
Scarlet Johansson faz a personagem Major, baseada em mangá japonesa
O crítico Marcelo Leme comenta sobre A Vigilante do Amanhã – Ghost in Shell, adaptação de uma mangá clássica.
A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell é a mais nova adaptação americana feita de uma obra oriental, baseada no mangá de Masamune Shirow.
O escritor da história original criou um mundo onde a tecnologia está muito avançada, o humano pode fazer aprimoramentos de praticamente qualquer parte do corpo: estas tecnologias estão tão avançadas que já não são mais usadas apenas como arma, mas também pelos civis; então o longa conta a história de Major, uma agente especial que é a primeira ciborgue funcional.
Ela faz parte da força-tarefa de elite Seção 9, organização que se dedica a deter os mais perigosos criminosos e extremistas. Em uma operação, um inimigo, cujo único objetivo é destruir os avanços da Hanka Robotic na tecnologia aparece com crimes cibernéticos. Então, Major, Batou e o líder Daisuke Aramaki precisam achar meios para derrotá-lo.
MANGÁ
O mangá teve uma adaptação em anime feita em 1995, chamada de O Fantasma do Futuro, dirigida por Mamoru Oshii (que anteriormente fez seu nome com a animação experimental Angel’s Egg). Esta versão animada capturou exatamente a essência dos quadrinhos, expondo o teor filosófico da ficção sem medo de represália do público.
A animação foi um sucesso e inspirou toda uma geração de novos cineastas, como os irmãos Wachowsk (que hoje são as irmãs) em Matrix, e a cultura cyberpunk em geral, que já vinha crescendo desde o lançamento de Blade Runner. A animação teve suas continuações, como Ghost in the Shell 2: Innocence, que inclusive concorreu em 2004 à Palma de Ouro.
Hollywood, como sempre, viu este caso de sucesso e comprou os direitos. Demorou, mas o filme finalmente foi lançado. Em seus primeiros trailers, a obra prometia um universo bastante imersivo e bem fiel ao mangá, com a natureza filosófica das obras originais precisamente respeitadas, mas com aquele gostinho ocidental e atores que a gente tanto gosta. Bem, infelizmente não foi bem assim.
O filme apresenta vários conflitos, explica coisas do universo, mastiga o roteiro em narrações, tenta nos fazer importar com personagens, mas só consegue algo positivo quando mostra cenas de ações bem coreografadas, porém já batidas, e alguns lapsos de deleite visual.
Para os nostálgicos da animação, é usada a trilha-sonora original em alguns momentos. Entretanto, dá pra perceber que fizeram isso apenas para agradar os saudosos. Em momentos tensos, são usadas músicas que parecem mais cópias de qualquer trilha que o Hans Zimmer fez na década de 2000 para deixar o clima épico, tornando o filme cada vez mais genérico.
TREJEITOS RECICLADOS
Scarlett Johansson, que interpreta Major, reciclou todos os trejeitos e maneirismos de seu personagem em Lucy, tanto em cenas de ação quanto nas partes mais dramáticas; ela não passa nenhuma sensação verossímil, seus momentos mais reflexivos parece uma boneca sem expressão, e em partes mais dinâmicas a canastrice toma conta.
Diferente de Pilou Asbaek, que interpreta Batou, e Takeshi Kitano, que faz Daisuke Aramaki; estes conseguem dar veracidade aos seus personagens e criar um início de vínculo. Michael Pitt, que faz o vilão, pouco aparece, mas quando em cena funciona semelhante à Scarlett, porém com um adicional de exagero, apelando para tiques e coisas que o tornam mais forçado.
Os momentos abstratos, que se passam no interior da mente dos personagens, são uma cópia quase que exata da animação, o que pode ser considerado um ponto positivo. O filme tem sim efeitos mal executados, mas em partes significantes para a narrativa a computação gráfica está bem trabalhada, contando até com sutilezas artísticas.
O problema são as cópias nas cenas de ação que, embora sejam bem coreografadas, são exatamente iguais às do anime, coisa que o diretor poderia interferir: há tantos exemplos de cenas de ação bem feitas e que, de certa forma, dão uma substância verídica ao filme, como no recente John Wick – Um Novo Dia para Matar.
Outro porém da ação é que praticamente em toda cena de luta há câmera lenta – feita para que o espectador tenha total consciência do que está vendo, sem borda para a imaginação.
DIDATISMO
A Vigilante do Amanhã inicia com um didatismo costumeiro nos blockbusters lançados hoje em dia, uma ponta para explicar todo contexto que o filme irá abordar. Logo após, vemos a cena de Major, interpretada por Scarlett Johansson, se jogando do prédio e agindo para executar os criminosos.
Tirando essa didática – imposta pela indústria – a introdução se assemelha bastante com o anime, porém, a semelhança narrativa acaba aqui. Jonathan Herman e Jamie Moss pegam a premissa da história original, mantêm os personagens, alguns conflitos, mas obliteram qualquer substância que a obra original transmite, sejam temas existencialistas ou elementos interpretativos.
Não há margens para nuances mais aprimoradas: o visual não mostra nenhuma consistência, tenta forçar este mundo cyberpunk, mas vemos mais um cidade fantasma, com efeitos inverossímeis que, de vez em quando, têm o trânsito mostrado para dar “vivência” à mesma, mas que está lá como uma cidade de papelão; um visual que não faz diferença nenhuma na trama, que não nos ambienta em sua atmosfera – pelo contrário, nos tira da imersão fílmica pela péssima computação gráfica.
* Marcelo Leme é psicólogo e crítico de cinema. E-mail: marceloafleme@gmail.com