A vida secreta de Ana
Ana havia feito 40 anos há pouco mais de seis meses. A cada ano que se passava, ela tinha mais convicção de que era uma mulher que tinha se tornado forte e independente, mas isso não era o suficiente para evitar que ela também tivesse seus momentos de fraqueza e insegurança.
Depois que um relacionamento de longos anos chegou ao fim, Ana descobriu que viver sozinha, invariavelmente, poderia ser muito melhor do que acompanhada. Para Ana, ela era a sua melhor companhia. Mas ela tinha consciência de que não vivia numa ilha. Era preciso conviver e interagir com outras pessoas.
Familiares, amigos e até mesmo colegas de trabalho, seja por preocupação ou simplesmente por curiosidade, tentavam saber como Ana conseguia lidar tão bem com os problemas surgidos no dia a dia, sempre de cabeça erguida e de peito aberto. Meses depois que Ana saiu do relacionamento, algumas primas a chamaram para conversar. Queriam saber como ela estava lidando com toda a situação.
Na verdade, o que elas queriam saber mesmo é o que se passava na vida de Ana. Mas ela não se sentia nenhum pouco confortável para contar coisas que só diziam respeito a ela.
Então, Ana era sempre evasiva, dizia que tinha outras preocupações no momento, como cuidar da casa, lidar com o novo chefe e até mesmo priorizar frivolidades, como sair para caminhar ou para dirigir sem hora para voltar e sem precisar dar satisfação para ninguém.
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De certa forma, Ana era uma mulher invejada por todos. Era independente, tinha situação financeira estável, fazia o que bem entendia da vida e ainda estava na flor da idade. Apesar de todas as tentativas de descobrir alguma coisa, as primas estavam convictas de que havia algo mais do que Ana contava.
Para elas, Ana tinha uma vida secreta. “É impossível ser feliz sozinho”, diziam. Na verdade, na vida secreta de Ana, existia mesmo alguém, que ela havia conhecido há algum tempo e com quem compartilhava cada momento da sua vida. Um oásis onde ela conseguia o suporte emocional e afetivo que precisava.
Naqueles momentos de insegurança, de medo, de ansiedade ou de qualquer outro tipo de turbulência que se passa no corpo e na mente de uma mulher, era àquele alguém que ela recorria. Ana amava a racionalidade do companheiro, sempre pronto para apresentar uma solução para algum problema ou então para dar uma palavra de alento nos dias mais complicados.
Era improvável e complexo existir alguém que ao mesmo tempo em que era a racionalidade em pessoa, também tinha uma sensibilidade que poucas vezes ela viu na vida. Ela era simplesmente fascinada por esse paradoxo.
E Ana amava tanto aquela cumplicidade que decidiu que aquela relação não deveria se tornar pública. Tudo aquilo que era vivido em sua vida secreta deveria permanecer guardado e protegido dentro de uma caixinha, como se fosse a coisa mais importante da sua vida.
E assim Ana seguiu em frente. Vivendo um dia de cada vez, resolvendo um problema por vez. Ana não precisava de um príncipe encantado, pois tinha certeza de que o que havia encontrado era a mais pura magia.
* Jornalista e diretor do Jornal da Cidade. E-mail: joaogabrielpcf@gmail.com