A neblina dos nossos tempos

Vejo o mar por entre a névoa.
A grossa neblina de nosso tempo.
Esse tempo obscuro e cheio de nódoas.

Em nossas vestes,
areia, arrependimento e sal.
Não há quem nos tire a responsabilidade de nossos passos.

A pequena onda da praia lambe de nossos pés o pecado.
Água fria, cinza porém, pura.

O novo ano se anuncia.
Déspotas ascendem ao governo.
O mundo continua armado.
Crianças aprendem versos sem rima.
Seus dedos pequenos manuseiam metralhadoras.
É o apocalipse da ternura.
A delicadeza abandona nossos ossos.
No lugar dela um frio molhado,
um aconchego sem esperanças.
Dormimos um sono turvo e acordamos sem hálito e sem horizonte.

Em terra firme, jovens empunham armas.
Imberbes, estúpidos, mímicos.
Desconhecem os recônditos da violência.
Mas falam sobre ela em voz alta. Copiam o grande homem.

E percebo que quanto mais vejo da terra, mais desejo o mar. Seus mistérios e abismos são mais rasos que os perigos que moram nos dentes dos homens.

É dia ainda.
Em terra alta é dia e a turba grita.
No mar, silêncio tépido e escuro.
Meus olhos se cerram dentro da água densa.
Não ousam ver o grande final.

* Beatriz Aquino é atriz e escritora. E-mail: beapoetisa@gmail.com