U2
O jornalista Daniel Souza Luz fala de War, do U2, o primeiro CD que ouviu na vida
O jornalista Daniel Souza Luz viaja no tempo para se lembrar do álbum War, do U2, o primeiro CD que ouviu na vida.
Lembro do primeiro CD que ouvi na vida. Talvez o primeiro que vi pessoalmente, mas não tenho muito certeza disso. Meu tio Helinho tinha acabado de voltar dos Estados Unidos, no fim dos anos oitenta, e trouxe na bagagem o War, do U2.
Na minha cabeça de moleque, ali em Botelhos, interior de Minas Gerais, quando ia visitar minha avó e meu avô e o encontrava, era o contato com o futuro inexorável da música – mas como não sou besta, nunca me desfiz de nenhum vinil meu, sem notar algo à época que hoje me incomoda muito, a falta de graves no som digital, hoje decadente, por assim dizer.
A audição marcou-me mais pelo contato com o objeto CD. Fetichismo da mercadoria, diria Marx, mas danem-se essas bobagens retóricas, o maravilhamento provocado pelo primeiro contato com novas tecnologias é um dos traços humanos do qual mais gosto. Fora as músicas marcantes que eu já conhecia do rádio – Sunday Bloody Sunday e New Year’s Day – achei as outras meio… franzinas. Sem graça.
Ouvindo-as tempo atrás novamente, não me lembrava delas. Outro fato que gostei do CD: voltar só nas músicas que apreciava era mais fácil do que nas fitas cassetes e nos vinis. Com o passar dos anos, notei como esse era um vício ruim. Tanto que não me lembro das demais músicas de War, que poderiam me encantar se tivesse ouvido-as sem afobamento.
Sem falar que notei que eu e alguns amigos referíamos às músicas de vários artistas como a “faixa número tal do CD” ao falarmos de bandas favoritas até meados dos anos noventa, ou seja, não sabíamos o nome de várias músicas das quais gostávamos.
Minha avó Arminda, mãe da minha mãe e do meu tio Helinho, faleceu em 12 de junho de 2016. Quando encontrei meu tio no velório falei para ele de como me lembrava bem de ouvir o CD do U2 na casa dela. Foi a primeira vez que chorei naquele dia.
P.S. Recordo-me que nos anos noventa o U2 processou o Negativland, banda experimental, e a SST Records, gravadora independente, porque a banda batizou um single de U2, ironizando-os. Por isso faço questão que essa crônica se chame U2, pois uma banda que defende a liberdade de expressão não poderia ter dado essa mancada. Acho que nem me animarei a ir aos shows deles no Brasil, neste ano.
* Daniel Souza Luz é jornalista e revisor. E-mail: danielsouzaluz@gmail.com