Cromo

Daniel Souza Luz relembra os tempos da febre das figurinhas colecionáveis

O jornalista Daniel Souza Luz relembra neste artigo os tempos da febre das figurinhas colecionáveis.

Hora do recreio ou fim de aula tinha uma peleja clássica. Bater figurinha. Perder uma figurinha difícil, nos anos oitenta, era o equivalente infantil a perder fortunas no pôquer ou no cassino.

Até hoje pode ser que seja assim, pois a Copa reavivou isto, há três anos. Colecionei figurinha de álbum de carros, motos e aviões, entre outras. Não me ligava nas de jogadores de futebol, populares até mesmo na Copa de 2014. Tenho vaga lembrança de colecionar da Copa de 1986, mas deve ser falsa memória.

Ou dei o álbum de presente para alguém. Portanto, memória inventada, provavelmente. Devo mesmo é ter acompanhado as brigas por esse álbum. Porque figurinhas também já foram questão de sair na porrada para mim, por mais franzino e suscetível a apanhar que eu fosse.

Toda hora aparecia álbum novo. O que eu mais admirava era um álbum de rock. Não vou lembrar o nome nunca. Tinha logos de bandas de heavy metal, caveiras e tudo que moleque gosta. Era obrigatório gostar, assim como também quase era ler O Escaravelho do Diabo. Quem não fazia isso era mariquinha.

Sei que é bobagem, mas quem ia explicar isso para nós? Ninguém explicou e até hoje querem barrar discussão de gênero. Ah, também gostava das figurinhas do Guerra nas Estrelas, mas acho que nunca vi o álbum, só as figurinhas. Na minha sala na escola tinha um amigo, o Alexandre Nunes, cujo pai era dono de bancas de jornal.

Às vezes ele nos dava pacotinhos promocionais de figurinhas. As que eu mais gostava eram as cromadas, como as que tinham nesse álbum de rock/metal. Aquilo era lindo demais pra mim. Quando vejo livros gringos de ficção científica em sebos, especialmente os mais próximos dos pioneiros cyberpunk dos anos oitenta, observo como essa estética era forte à época, característica demais, e algo que não enferrujou; o que é cromado teoricamente é resistente à ferrugem.

Mas falava em sair na porrada por causa de figurinhas. Na verdade, não fiz isso, mas sim uma apelação vergonhosa. Uma vez perdi uma figurinha da qual gostava, de uma de moto, e fiquei bravo com meu amigo que ganhou de mim na disputa no pátio da escola.

Ele se chama Emerson, era menor e eu colei chiclete no cabelo dele na mesma hora. Ele começou a chorar e fui embora, covardemente. Impressionante como criança é cruel. De longe, vi um cara mega babaca, maior e mais velho, que gostava de zoar os moleques menores, ajudando-o e cortando o cabelo dele com uma tesoura para tirar o chiclete.

Ou seja, o garoto que perpetrava o que hoje se chama de bullying foi, surpreendentemente, gente fina na ocasião. Naquele dia fui pior do que ele. Não bastasse isso: nunca completei nenhum álbum de figurinhas.

P.S. Sempre que vejo o Emerson na rua, procuro dar carona para ele. É, sinto-me culpado por aquilo.

* Daniel Souza Luz é jornalista e revisor. E-mail: danielsouzaluz@gmail.com