Guardiões da Galáxia Vol. 2 traz novos caminhos e possibilidades
O crítico Marcelo Leme comenta sobre a sequência
O crítico de cinema Marcelo Leme comenta sobre Guardiões da Galáxia Vol. 2, sequência que investe na intimidade de seus personagens.
Guardiões da Galáxia é um filme que arriscou tudo o que podia e foi certeiro em sua concepção ao trazer subterfúgios de heróis (e não anti-heróis), sujeitos marginalizados que encontraram redenção na partilha da mesma rejeição. É o mais descompromissado filme do estúdio, reunindo heróis improváveis num contexto espacial abarrotado de guerras nas estrelas.
Este Vol. 2 não necessariamente repete a fórmula do anterior, no entanto preserva inteiramente o elenco e estilo, conseguindo dar um passo além devido a possibilidade de investir na intimidade de seus personagens, já que estes já nos são conhecidos. A abordagem da vez é essa: discutir a relação entre eles, visando alguma profundidade que garanta identificação e consolidação de cada um no imaginário popular.
Uma das cenas de abertura pode ser tranquilamente considerada como uma das mais expressivas e em-blemáticas de todo o universo Marvel. Um falso plano sequência abre um arco para a história ainda nos créditos – já há mais investimento de roteiro aqui do que no episódio anterior –, acompanhando o pequeno Groot ouvindo uma balada setentista enquanto os outros duelam com um monstro.
Tal cena nos leva ao encontro dos reconhecidos personagens, sem ter que esboçar cada um em suas individualidades, evidenciando o que interessa dessa vez: o grupo, ou a família, conforme reitera Drax. Aliás, essa consideração sobre um núcleo familiar envolvendo um grupo de amigos vem se repetindo com demasiada frequência em diversas franquias.
Imediatamente após tal cena, a história tem início com o desenvolvimento do arco aberto, uma evasão desesperada pelo espaço dos disparatados heróis. A fuga dos guardiões encontra novos caminhos e possibilidades em distintos mundos, e novos personagens que trazem implicações diferenciadas a dinâmica dos relacionamentos delineados.
A atenção aos relacionamentos é tão evidente e presente no desenrolar do texto que uma nova personagem com o tato sensível é capaz de sentir emoções alheias, experimentando as sensações e perturbações do outro. E há algo que a enriquece e de alguma maneira metaforiza a proposta do roteiro adaptado pelo diretor James Gunn e pelo roteirista Dan Abnett, o desconhecimento do mundo, a necessidade de desbravar o universo, do senso coletivo, da moral e da cultura.
O desenho de produção, apesar do excessivo e por vezes entediante CGI, segue chamando atenção com a estética futurista de viés oitentista, que ainda é intensificada por trilhas sonoras precisas que não existem como enfeite aleatório, tal como no estúpido Esquadrão Suicida (2016), de David Ayer. Aqui as trilhas tem funções narrativas. Elas pontuam as eventualidades como signos dos dramas particulares entre os envolvidos das tramas.
Há repetições que ligam datas e outras que particularizam afetos. O diretor James Gunn, proveniente de uma vertente de horror-cômico, tem aqui seu melhor trabalho com criatividade e sensatez, driblando sinuosidades alegóricas para filmar uma obra que não seja somente um fanservice.
Clichês estouram, mas até eles ganham contornos que contribuem para empurrar a história, como por exemplo o Deus Ex Machina que, dessa vez, tem um sentido pertinente e serve para exprimir um drama digno de Star Wars, com a chegada de Ego, o planeta vivo (Kurt Russel), pai do Senhor das Estrelas (Chris Pratt) – os trailers e a sinopse se adiantaram ao revelar isso.
Ego é o personagem que vem tratar aspirações de conquista e descoberta, mantendo a lógica da exploração do desconhecido através de um personagem que é um planeta, com ecos distantes de Solaris (1972), do Tarkovski, mas com relevância megalomaníaca que existe num campo em que o absurdo é perfeitamente aceito.
É simples no conteúdo, mas não é simplório. É cômico, é divertido, atende a expectativa e em nenhum instante visa ser maior do que é, encontrando seu lugar no espaço-tempo da febre de adaptações de HQs, este marco contemporâneo. Seus personagens se transformam pela conveniência das circunstâncias e estabelecem um distanciamento de outros filmes da Marvel pela legitimidade subversiva, com função similar a que versões mais recreativas fizeram com subgêneros hollywoodianos, como o cinema policial oriundo da década de 70 e 80 e os westerns com presença de estrelas hollywoodianas da estirpe de Paul Newman e Robert Redford.
De beleza plástica particular, neste é possível ter melhor dimensão espacial e compreender o conjunto. Não há tanta novidade inventiva e a tridimensionalidade que poderia ser um diferencial, não sai do lugar comum. Ademais, é uma comédia além da ação de gênero. De tempo em tempo uma piada ou gag é lançada, adornada pelo tom geek e pelo universo cósmico. São altas doses de humor.
O espectador às vezes nem terá terminado de rir de uma piada e outra logo é emendada. Há batalhas no meio disso tudo e, mais inesperado ainda, há doses de emoção que rompem com o ritmo, ofertando dramatização surpreendente sem ser piegas, sem cair na convenção barata e esquemática de um melodrama casual a fim de fascínio gratuito.
* Marcelo Leme é psicólogo e crítico de cinema. E-mail: marceloafleme@gmail.com