Flipper
O jornalista Daniel Souza Luz relembra a época de ouro dos fliperamas em Poços
O jornalista Daniel Souza Luz relembra a época de ouro dos fliperamas em Poços de Caldas, na década de 1980.
Eu me lembro do primeiro fliperama ao qual fui. Meu pai me levou num que ficava na Rua Assis Figueiredo, em frente ao início da Barros Cobra, no fim dos anos setenta ou no começo dos anos oitenta. Recordo-me bem de uma máquina, que tinha uma bazuca. Foi essa que meu pai me ensinou a jogar.
Era um jogo de tiro, obviamente; você apertava o gatilho do simulacro de bazuca em frente à tela e destruía os inimigos no campo de batalha. Não me lembro mais bem se eram tanques, jipes, mas acho que era algo assim. A lembrança mais nítida que tenho é a dos enfermeiros, pois não podia acertá-los, senão perdia pontos ou vidas.
Forço a memória e não sei se estou viajando, mas acho que eram dois enfermeiros carregando um soldado numa padiola. Eram apenas riscos de luz, acho que verdes, na tela, projetando figuras simples sob um fundo estático. Fascinantes. Lembro-me também de quando vi o primeiro videogame da história, aquele do jogo de tênis, na casa de um vizinho, o Glenn (acho que era do irmão mais velho dele, o Paulo, que jogava na seleção brasileira de basquete; o Oscar chegou a visitar meu prédio), e de como achei tosco comparado com o Atari lá de casa.
A mesma sensação deve ser experimentada por um garoto acostumado às Caixas Xis aí ao se deparar com um Atari ou esse jogo da bazuca que tanto me fascinava aos sábados de manhã. Pelo o que me lembro meu pai ia e aproveitava para passar rapidinho no fliperama comigo. Esse lugar depois virou uma banca de revistas, onde comprei vários dos meus primeiros quadrinhos e hoje é uma loja qualquer, sem alma.
Não que esse lugar tivesse almas antes, mas tinha para um garoto. Mais velho, meus pais ficavam cabreiros quando eu e meu irmão íamos a fliperamas. Era algo “de marginal”. É claro que isso tornava ir aos fliperamas uma aventura irresistível. Óbvio, evidente, elementar, não tem como. Isso já era quando tínhamos uns doze, treze anos.
Havia três fliperamas na cidade, que me lembre. O do Palace Hotel, cheio de raridades, como jogos dos anos quarenta – o primeiro importador de fliperamas do Brasil, Eduardo Luciano Marras, era da cidade; sei disso porque digitei o texto de um dos filhos dele contando essa história, pois ele os manuscrevia e não sabia datilografar/digitar – e o meu querido jogo de bazuca; o da Rua Rio de Janeiro, com duas máquinas de jogos de videogame que eram muito melhores nas máquinas (Ghosts and Goblins e Moon Patrol) e o da praça.
Esse achava sinistro. Tinha outro um num antigo cinema que me parecia muito, mas muito mais sombrio. Tinha não, ainda tem, mas acho que abriu depois. De qualquer forma, duas das histórias que mais gosto de fliperama aconteceram neste da praça. Tínhamos medo de ir ao flipper, como dizíamos, por ficarmos encucados com as conversas de nossos progenitores de que lá só havia bandidos e tal. Portanto, ir era incoercível, como já expliquei. Quando tomamos coragem, nosso amigo Márcio de Melo, o Baiano, resolveu apelar numa máquina de pinball.
A bola passou e ia inevitavelmente embora. Ainda batendo debaixo dos pinos, o Márcio levantou a máquina e a pôs de volta no jogo. Foi curioso, pois ele era magrelo e teve força para levantar aquilo. Era uma manha que ele tinha aprendido com os fre-quentadores. Achou que ficaria impune. O dono ou empregado de confiança do dono só faltou pular por cima do balcão como num filme de faroeste.
O Márcio levou uma reprimenda que nos foi hilária e sequer se abalou. Na outra não estava presente, foi hilariante para mim ao descobri-la, quase me urinei de rir ao saber. Nosso amigo Evandro Godói, que sabe ser engraçado ao contar causos, que me contou: o Márcio o chamou e a outro amigo, acho que o Paulo Augusto Rodrigues, para jogarem lá. Eles foram receosos, pois sabiam que o lugar era mal afamado.
O Márcio, safo, já trampava de office boy e tinha as manhas das ruas. O que não mudava o fato de que ele era engraçadamente sem noção. Segundo o Evandro, eles entraram no fliperama fazendo de tudo para ser o mais discretos quanto possível. Eles, no caso, eram o Paulo Augusto e o Evandro. Ao entrar, o Márcio virou-se e falou para eles: “VIU, NÃO FALEI PARA VOCÊS QUE TODO MUNDO AQUI É GENTE BOA?” num volume de voz capaz de fazer virar todos os olhares hostis do local para eles.
Para mim foi como se ele tivesse cavado um buraco no chão e vindo direto contar o caso para mim. É claro que nada aconteceu. Nunca vi ou ouvi falar de nada de errado acontecer nestes fliperamas. Flipper para mim foi tudo isso de bom: seriado televisivo adorado na infância, local de aventuras mesmerizantes da pré-adolescência e banda punk amada da adolescência em diante.
* Daniel Souza Luz é jornalista e revisor. E-mail: danielsouzaluz@gmail.com