Batman: O Messias mostra como o fundamentalismo religioso pode derrubar uma sociedade
Não é exagero dizer que a segunda metade da década de 1980 foi o momento que fez com que o Batman se consolidasse como um dos personagens mais importantes da cultura pop em todos os tempos.
Até então, o personagem já era amplamente conhecido, mas ainda faltava alguma coisa. Durante anos, a série de TV “Batman” e a animação Superamigos deixaram o personagem com uma faceta caricata e infantilizada. Apesar das HQs ainda manterem o tom sombrio, era preciso uma mudança de chave mais radical.
continua depois da publicidade
E foi o que aconteceu no período em questão, quando a partir do lançamento de Cavaleiro das Trevas (1986), considerada a mais importante HQ do personagem, Batman de fato mudou de patamar.
O que veio a partir daí são clássicos como Batman: Ano Um, A Morte de Robin e Batman: A Piada Mortal. É também deste período a HQ Batman: O Messias (1988), que iremos tratar a seguir.
Lançado originalmente como uma minissérie em quatro capítulos, Batman: O Messias é possivelmente uma das histórias mais sombrias do personagem. Poucas vezes se viu um Batman tão vulnerável quanto aqui. Existe uma série de fatores que colocam essa HQ em um status acima das demais.
A começar pela trama, que mescla terror e fundamentalismo religioso, concebida magistralmente por Jim Starlin, com desenhos de Bernie Wrightson, provocando medo e tensão do início aos momentos finais.
Temos aqui um vilão até então inédito, o diácono Blackfire, uma figura misteriosa que surge em Gotham City e provoca uma revolta civil nunca antes vista na metrópole.
O personagem, segundo consta, foi inspirado em religiosos que dominavam a TV estadunidense nos anos 1980, fenômeno que no Brasil só veio a ganhar força efetiva a partir dos anos 1990.
continua depois da publicidade
O passado de Blackfire é bastante obscuro. É revelado que ele era um índio (do continente) americano e que teria sido aprisionado em uma cripta por colonizadores, após atos de violência e crueldade. Séculos depois, Blackfire é libertado do cativeiro e inicia sua peregrinação em busca da purificação do mundo.
De perfil carismático, logo Blackfire consegue reunir nas profundezas de Gotham, literalmente falando, um exército de indigentes, párias, renegados e todo tipo de gente marginalizada na sociedade. Aos poucos, o domínio de Blackfire começa a ganhar proporções inimagináveis.
A chegada do diácono a Gotham coincide com uma queda acentuada na criminalidade da cidade, que não está condicionada à atuação do Batman. É esse o fator que chama a atenção sobre a sua presença.
O discurso fundamentalista de Blackfire, com o pretexto de expurgar o crime e purificar o mundo, a começar por Gotham, mostra que as sua intenções, na verdade, não passam da tentativa da instalação de um reinado de dominação e de adoração a ele.
O autoritarismo imposto por Blackfire através do uso da violência e repressão contra opositores e da desarticulação das instituições visando a criação de um regime protofascista são um retrato muito próximo do que pode vir a acontecer no mundo real quando o fundamentalismo religioso se impõe na política.
O clima de terror, violência, tensão e medo que permeia o roteiro serve de pano de fundo a uma crítica social contundente, que nos mostra como a manutenção da integridade das instituições é o que nos protege da ameaça fascista e autocrática.
continua depois da publicidade
Não há como não se lembrar de parte da trama do filme Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge, onde Bane se utiliza de meios parecidos ao de Blackfire para reunir um exército de marginalizados para se voltar contra o sistema e dominar Gotham.
E onde o Batman se situa em toda essa confusão? Durante as investigações sobre o sumiço de pessoas, Batman logo sucumbe. Além do perfil carismático, Blackfire usa seus talentos de xamã como instrumento de dominação contra as vítimas.
A lavagem cerebral misturada com substâncias alucinógenas faz com que o próprio Batman se converta à argumentação do messias. A trama explora com eficiência a forma como Blackfire domina psicologicamente não apenas a mente de Batman, mas toda a sua seita e também grande parte da população.
Batman: O Messias é uma alegoria distópica que mesmo tendo sido concebida em 1988, se mostra mais atual do que nunca, mostrando como a religião, quando utilizada por falsos messias de forma deturpada junto à política, pode derrubar toda a sociedade.
* João Gabriel Pinheiro Chagas é jornalista e diretor do Jornal da Cidade. E-mail: joaogabrielpcf@gmail.com
↓clique na imagem e compre agora a HQ Batman: O Messias