Os Suspeitos é simplesmente brilhante
Os Suspeitos é um dos principais filmes da década de 1990
Avaliação do Editor
O advogado e escritor Guido Bilharinho comenta sobre o filme “Os Suspeitos”, uma das principais obras cinematográficas da década de 1990. Confira a crítica abaixo.
O filme policial é, em geral, destituído de qualidades cinematográficas. Normalmente enquadra-se num esquema comercial para atendimento de clientela específica, que se contenta e se compraz apenas com a linearidade e o convencionalismo das estórias. Contudo, a par disso e mesmo assim, a tradição estadunidense do gênero aponta também para direção diversa e até oposta, conforme se dá no noir, quase categoria autônoma onde o fato criminoso não se desvincula de contexto mais abrangente, seja humano ou social, e nem é apresentado esquemática e superficialmente.
Nos dias que correm, o gênero policial tem encontrado, nessa filmografia, bons cultores nos quadros do cinema independente. Além de outros, destacam-se Cães de Aluguel (1992), de Quentin Tarantino, e Amateur (1994), de Hal Hartley, exemplos maiores de gênero e de cinema que sempre se têm renovado, mesmo e principalmente quando parecem esgotadas todas suas possibilidades criativas.
Na mesma linha inventiva, incisiva e rigorosa dos paradigmas citados, mas, diferente deles no que tange ao entrecho, fatos e enfoque, destaca-se Os Suspeitos (1995), de Bryan Singer (1968-). Conquanto utilizando a mesma espécie de criminoso e iguais métodos policiais, parece-se estar assistindo filme realizado em outro planeta, com seres diferentes, tal o inusitado da mancira de focalizar o assunto, a riqueza da diversidade tipológica, o vigor da linguagem cinematográfica, a eficiência dos cortes e a eficácia da montagem.
Mesclando presente real com passado veraz ou deliberadamente fementido em retrospectos pertinentes, a trama desenvolve-se em intensidade e interesse crescentes numa construção antes de tudo intelectual e poderosa, como raramente se encontra no cinema ou fora dele. Em todos os elementos cinematográficos, desde o décor, em suas múltiplas ambientações, até a direção e desempenho dos atores, pontilhados por minudentes gestos, posturas e tiques nervosos das personagens, fotografia e iluminação, o filme perfaz composição cinemática completa (e complexa), que elide e everte a linearidade e o conven-cionalismo, sem deixar de contar uma estória. E que estória!
Até mesmo personagem saída dos fundos esconsos da atividade criminosa mais nefanda, Soze, é, repentina e habilmente introduzida no contexto, como se fosse algo efêmero como cometa que risca os céus, desaparecendo em seguida sem deixar rastros e sem alterar a ordem das coisas. Isso na natureza, com meteoro distante. Não no filme, com Soze. Desde que surge, mesmo que apenas referenciado, só de relance antevisto e mal percebido em ação, transforma-se em personagem paradigmática e simbólica do filme policial.
O que, antes, parecia (mas não era e nunca fora) simples atos ilegais de quadrilha criminosa já nas garras de polícia onipresente, vai pouco a pouco adensando-se e complicando-se como montagem de quebra-cabeças. O que parecia não era e o que de fato era não parecia ser. E o enigma e sua solução caminham paralelos numa realização brilhante e consistente como talvez não se tenha visto ainda nesse gênero cinematográfico.
Não há surpresa na revelação pelo modo sutil como ela se insinua. De argúcia e habilidade tais, que, ao espectador desatento, ou afeito apenas a acompanhar ação e fatos, pode passar despercebida. É que esse filme representa, antes de tudo, construção intelectual cinematográfica e não simples filmagem de ação criminosa, de seus autores e da investigação policial. Além de tudo, e para atestar que é obra totalizadora, na qual nada é descurado ou secundarizado, as cenas transcorridas no navio explodido e o décor onde se passam constituem momentos inesquecíveis de cinema e do cinema.
* Guido Bilharinho é advogado e escritor