O jogo de esconde-esconde da INB
Quando se fala em energia nuclear e sua aplicação, duas imagens se apresentam distintas e claramente à sociedade.
A primeira delas, a de reatores que sofreram vazamentos ou explosões, como em Chernobyl (Ucrânia), na madrugada de 26 de abril de 1986, o desastre nuclear ocorrido na Central Nuclear de Fukushima, no Japão, em 11 de março de 2011, e, em menor escala, mas não menos importante, o acidente radiológico devido ao vazamento de uma capsula de Césio-137, em Goiânia, em 13 de setembro de 1987, e que vitimou centenas de pessoas e animais. Qualquer que seja a notícia nuclear e seus derivados, assusta e causa temor à sociedade.
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Isso é fato. A outra imagem é a do pleno funcionamento de usinas nucleares na Europa fornecendo energia “limpa” para vários países. Nesse segundo caso, sem qualquer preocupação com adversidades climáticas que envolvam a geração de energia através das hidrelétricas ou eólica. Isso é percepção.
E nesse meio de campo entre fato e percepção, entre “bem e mau” reside a desinformação, na maioria das vezes proposital. O lançamento das bombas atômicas pelos EUA sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, no Japão, em agosto de 1945, contribuiu decisivamente para o final da II Guerra Mundial, porém apresentou a aplicação da energia nuclear ao mundo da forma mais assustadora possível.
Daí a desconfiança que a população tem sobre o uso e manuseio de todo e qualquer material radioativo que não seja natural e encontrado em várias regiões do mundo, inclusive no Planalto de Poços de Caldas. A política nuclear brasileira nunca foi inteiramente transparente e na atualidade menos ainda.
A INB (Indústrias Nucleares do Brasil), embora conte com quadro técnico competente não registra esse mesmo comportamento em seus quadros diretivos, alguns deles guindados ao cargo sem o conhecimento adequado sobre o assunto.
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O exemplo mais notório desse descompasso foi dado há menos de 50 dias, quando se anunciou a possibilidade da transferência de pouco mais de mil toneladas de rejeitos, conhecido como lixo nucelar, de Interlagos, na cidade de São Paulo, para a unidade da INB em Caldas (MG), aqui pertinho de Poços de Caldas.
O anúncio foi feito sem qualquer embasamento técnico ou científico. A imagem que passou era de que se tratava de um “balão de ensaio” tal o volume de incertezas e desinformação da fala de um dos diretores da empresa. Algo como se alguém na cúpula da INB dissesse: Vai tocando, se colar colou.
E parece que está colando. Apesar da resistência clara e efetiva de prefeitos, vereadores e deputados mineiros contra essa ameaça (sem a participação do prefeito de Poços de Caldas, que apenas faz declarações vazias) a INB está avançando.
Pelo menos é o que nos parece diante do seguinte fato: sem convidar o prefeito de Caldas, cidade onde está instalada a mina e os depósitos de rejeitos que lá são estocados desde a década de 1980, nos dias 15 e 16 deste mês, “o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI/PR) coordenou uma visita à Unidade em Descomissionamento de Caldas (UDC), em Minas Gerais, com a participação de representantes das instituições pertencentes ao Sistema de Proteção ao Programa Nuclear Brasileiro (Sipron)”, segundo relatado no próprio site da INB.
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O que foi tratado na visita que trouxe para a unidade de Caldas 22 pessoas dos órgãos que relaciono a seguir? Ministério da Defesa (MD), Marinha do Brasil (MB), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Centro Estadual para Gerenciamento de uma Situação de Emergência Nuclear (CESTGEN), Batalhão de Defesa Nuclear, Biológica, Química e Radiológica (BtlDefNBQR) do Centro Experimental de Aramar (CEA), Secretaria de Estado de Defesa Civil do Rio de Janeiro (SEDEC/RJ), Governo de Minas Gerais e Secretaria Executiva de Proteção e Defesa Civil do Município de Angra dos Reis – RJ?
Segundo o texto publicado no site da INB, foi uma visita técnica realizada pela primeira vez na unidade de Caldas e que já estava prevista no programa do Sipron (Sistema de Proteção ao Programa Nuclear Brasileiro) para esse ano.
Ainda segundo a INB, em fala do capitão de mar e guerra Alexandre Souza de Aguiar, coordenador-geral de Emergência Nuclear do Departamento de Coordenação do Sipron, “a intenção é efetuar essa mesma visita no ano que vem com outro grupo.
E, se for o caso, inserir no Programa Geral de Atividades do SIPRON/GSI, um exercício de emergência na Unidade. Pegamos alguns subsídios da equipe técnica da UDC para que numa situação de emergência, seja na área radiológica ou de segurança física, a gente possa contribuir para tentar mitigar ou prevenir qualquer dano à instalação”.
Em se tratando de fala oficial, perfeito. Ao ler, insinua planejamento e preocupação com o coletivo, algo próprio de um servidor das Forças Armadas. Mas aí vem o questionamento que deve ser respondido pela INB: Se era apenas uma visita técnica, não seria de bom tom convidar o prefeito de Caldas, ambientalistas e outros segmentos da sociedade organizada para participar de, pelo menos, uma parte do encontro?
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Outro questionamento, também encaminhado à INB: O que foi debatido sobre a transferência dos rejeitos de São Paulo para Caldas? Ou alguém é ingênuo o suficiente para acreditar que esse assunto não entrou na pauta das discussões? Se não foi discutido, alguém foi desatento, afinal a reunião era do Sistema de Proteção ao Programa Nuclear Brasileiro.
A INB comete erros básicos de relacionamento com as comunidades locais, aquelas que estão próximas ao problema, não somente no Planalto de Poços. Se pode mesmo ser dito e mostrada uma ação, que se construa, então, uma conduta de relacionamento próximo e franco.
Do contrário, haverá sempre a desconfiança de que a população está sendo enganada. Existem experiências em outros países envolvendo educação para a comunidade. Já é passada a hora de o país estudar e implantar essas práticas.
Quanto a reunião dos dias 15 e 16 deste mês, em Caldas, ainda está em tempo de mostrar o que foi debatido a respeito da transferência dos rejeitos e o planejamento do que será feito com aquela Unidade daqui pra frente.
A INB acha mesmo que pode cochichar reservadamente sobre o assunto esperando que ninguém ouça? A sociedade merece respeito e é isso que se espera de um órgão federal.
* Marcos Cripa é jornalista e professor universitário