Réquiem do Neoliberalismo

Requiem aeternam: que descanse eternamente o discurso neoliberal, morto sufocado pela pandemia que explicitou suas vulnerabilidades e demonstrou que a forma como a produção e a sociedade estão estruturadas, é insustentável.

Mundo afora após a dispersão do COVID-19, os Estados Nacionais foram reavivados, como acontece em toda crise, para entrar em cena e dirigir os processos de ação, prevenção e organização da sociedade. Voltaram as ideias de renda mínima, investimento em pesquisa e saúde; urge a busca por uma cura e a corrida contra as insuficiências crônicas de anos de desmontes das estruturas públicas de saúde em função dos planos privados.

No Brasil do congelamento de investimentos primários por 20 anos, a situação é pedagógica, nos conduz à possibilidade de compreensão dos efeitos de uma opção de ataque à constituição e desmonte estatal. Escancara ainda, o obscurantismo no qual o país mergulhou após a eleição de um inepto fundamentado, já no governo, sobre três pilares: militares entreguistas, ultra-neoliberais e conservadores medievais (também conhecidos como ala psicodélica).

A soma de crises pela qual passamos (a crise econômica e a crise sanitária), por mais desconcertante e paralisante que esteja sendo, pode servir a um propósito nobre: demonstrar que tudo o que foi desprezado nos últimos meses no país é na verdade o ponto mais avançado de civilização que alcançamos.

A ciência, o conhecimento científico produzido pelas universidades, os serviços públicos de saúde e educação, a seguridade social, a cultura como obra humana, elementos chamados a resgatar um mundo em pânico.

A ciência como meio de explicar e orientar sobre a situação atual, indicar caminhos e buscar a redução de danos; o conhecimento científico na busca desenfreada por um antidoto ao Corona; a saúde pública capitaneando as orientações sanitárias e fazendo o enfrentamento à epidemia, mesmo sem estrutura, pessoal e investimento de longo prazo, demonstrando que com aporte financeiro e prioridade ao serviço público, resguarda a saúde coletiva; as escolas como fonte de orientação e condução das crianças e jovens no acesso ao conhecimento científico; a assistência social como forma de acolher e proteger os mais pobres, garantir uma renda mínima, combater a fome e evitar que a desigualdade avance mais ainda do que a já aterradora situação; a cultura como expressão da criatividade e produção humana, que auxilia e ampara em momentos de isolamento, ajuda a pensar e engatilha a crítica.

Nenhum desses elementos se desenvolveu durante a crise sozinho, todos demandaram uma intervenção coletiva, dirigida, orientada ao bem comum. Expõe a paralisia da Mão Invisível, pois ela não existe para o todo, apenas para os ganhos de poucos que ganham como uma vida de especulação e não de produtividade.

Foi o público, o Estado, quem atendeu a necessidade de agir em prol da maioria. Essa maioria de trabalhadores, que não tem, muitas vezes, como fazer parte das recomendações sanitárias de paralisação simplesmente porque sua condição de classe não permite.

Não é uma ode ao poder estatal sem freio, mas um chamado à compreensão de que o Estado deve ser ferramenta do coletivo, não arma de opressão contra o trabalhador.

O mais próximo que chegamos disso até hoje no Brasil foi a Constituição de 1988, que vem sendo destruída, e que cabe a nós tomar como referência do que defender, pois ela desenhou nosso ensaio de bem estar social. Precisamos caminhar rumo a um poder popular na gestão do público, ampliando a democracia (ou criando-a efetivamente), uma vez que não a experimentamos na maioria de nossa história.

O momento nos acusa: um novo modelo é necessário. De produção, de relação, de sociabilidade, de avanço civilizacional. O discurso neoliberal se foi. Os que insistem em usá-lo como referência (como Guedes e Cia.), o fazem a partir de uma retórica em putrefação, morta.

Um novo modelo é urgente. A humanidade de modo geral, em especial o Brasil, não resistirão à insistência na produção da riqueza de poucos e na morte a conta gotas da maioria trabalhadora vista como descartável.
Discurso Neoliberal: *1970 – †2020. Requiem aeternam.

* Tiago Mafra é professor de geografia na rede pública municipal de ensino de Poços de Caldas e voluntário no pré-vestibular comunitário Educafro. E-mail: tiago.fidel@yahoo.com.br