O guarda-chuva da Praça do Patriarca
Fernando Amarante escreve sobre a relação de um homem com seu guarda-chuva
O poeta e jornalista Fernando Amarante escreve crônica sobre a relação de um homem com seu guarda-chuva comprado na Praça do Patriarca, em São Paulo.
Aconteceu no coração da cidade de São Paulo, na Praça do Patriarca. Lá havia uma antiga fábrica de guarda-chuvas; nos fundos de uma loja. Me conta emocionado o meu bondoso cunhado e amigo Milton. Não era uma fábrica comum. Os guarda-chuvas lá fabricados eram especiais. Em tempos idos, Milton comprou um desses guarda-chuvas. Eles tinham um especial dispositivo de segurança na armação das barbatanas, por dentro, que impediam que sofressem o revés de vento trazido pela chuva. A fábrica há muito tempo fechou.
Talvez porque quem comprasse um daqueles guarda-chuvas, não precisasse adquirir outro, tal a maestria e perfeição com que eram feitos e assim sua durabilidade infinda. Naquela época, em seus anos moços, Milton trabalhava num Banco, e ao contar a uma colega de trabalho, que havia adquirido tal guarda-chuva, com seu dispositivo de durabilidade, sua colega lhe contou que foi seu sogro quem inventou o dispositivo anti-vento dos guarda-chuvas especiais.
Meu bondoso cunhado e amigo Milton, de alma clara e limpo coração, poeta também por seus argênteos cabelos, ao ouvir sua colega Carmem a lhe contar história tão interessante, contada com tanto carinho e tanta candura, ficou ainda mais comovido e embevecido, e se afeiçoou de tal maneira pelo seu já tão querido guarda-chuva, que ele se tornou para Milton, um especial objeto de estimação. Milton tem o guarda-chuva até hoje; seu fiel companheiro, anti-chuvas e anti-vento, na garoa ou nas tempestades da antiga São Paulo. E o usa sempre com muito carinho, cuidado e muito garbo, e jamais o empresta a ninguém.
A fábrica fechou. Não mais existe há muito tempo. Mas o guarda-chuva especial ficou e resiste ao tempo, como todos os outros iguais, creio Eu, comprados por outras pessoas. E sob o zelo, a vigilância e o olhar atendo de seu dono, resiste também ao assedio e às investidas de todos os ladrões de guarda-chuvas.
Milton tem outras paixões, além da família e do guarda-chuva. O vinho, a música e os carros, que ele como bom italiano, sabe cultivar tão bem. Descendente de italianos, fiel às suas origens, Milton tem a alma sentimental, e gosta de ouvir e também cantar, com sua afinada voz de baixo, lindas canções italianas.
Indo de Fred Bongusto, passando por Andrea Bocelli, até a cantora brasileira Zizi Possi que gravou seletivas e belíssimas músicas extraídas do cancioneiro italiano. Milton também é um aficcionado por carros e especialmente por sua mecânica a qual ele aprecia, conhece e entende muito bem sobretudo os da Escudeira Italiana Ferrari, a qual ele ama de alma, vísceras e coração.
Nas festas, no caminho entre a garrafa e a boca, ainda na garrafa, o vinho passa pelas mãos cuidadosas de Milton; mestre de cerimônias, bom “Sommelier”. E ele gosta de abrir um bom e seleto vinho, sentir seu buquê, encher festivamente as taças, erguer a taça e brindar – celebrando a vida, tão bela e tão efêmera; fragmentos de luz.
PS.: “Sommelier” é o profissional especializado e entendido em vinhos.
* Fernando Amarante é escritor e poeta