Há luz no fim do túnel
Faltava um minuto para às seis da manhã e o professor, que já estava acordado há horas, apenas esperava o despertador tocar. Quando enfim o despertador tocou, ele permaneceu mais alguns minutos na cama.
Não era preguiça, mas apenas desânimo em ter mais um dia pela frente. O professor então se levantou e foi se trocar. Depois, esquentou o café que havia preparado antes de dormir.
Quando saiu do apartamento, alguns moradores também já estavam indo trabalhar. “Bom dia”, “bom dia, professor”, “oi professor, bom dia”, eram alguns dos cumprimentos que recebia. Todos respondidos com lacônicos acenos de cabeça. Se tinha algo que o irritava, era esse excesso de cordialidade matinal.
“Só se for para você”, respondia mentalmente. No caminho ao ponto de ônibus, o professor se perguntava por que ainda fazia aquilo todo dia. Logo surgia na mente o assombro da aposentadoria. Mesmo morando perto da escola, ele não tinha a menor empolgação em ir a pé.
Alguns colegas, por economia ou simplesmente para fazer um mínimo de exercício, iam caminhando. Mas o professor não via motivação alguma em fazer igual. Na escola, eram duas aulas naquela manhã. Um martírio. Ele se irritava fácil com alunos dispersos e indolentes. A aula era apenas protocolar e os alunos pareciam não fazer a menor questão em assistir.
Vez ou outra, alguém fazia uma pergunta e quando isto acontecia, a irritação virava azia e tensão. Pior mesmo era o intervalo. A sala dos professores beirava o insuportável. Era desanimador escutar as conversas dos colegas. Política e futebol não o interessavam. Problemas de família dos colegas o deixavam a beira de um ataque de nervos. E isto que o dia ainda mal havia chegado na metade.
O professor tinha o turno da tarde em outra escola que também ficava na imediações. E lá, era apenas a repetição do que já havia acontecido pela manhã. Quando o expediente finalmente havia terminado, o professor tinha o único lampejo de felicidade do dia.
Voltar ao ponto de ônibus era um sopro de alívio, ainda que fugaz. Mas eis que sempre pode surgir um arco-íris mesmo em um dia cinzento. Enquanto esperava pelo ônibus, o professor foi surpreendido por um grito. “Amaral!”. “Não é comigo”, pensou. E seguiu imóvel. “Amaral, Amaral”. E os gritos se repetiam.
A tensão foi nas alturas e com certa resistência, olhou para os lados, à procura de quem o chamava com tanta insistência. Logo, ele descobriu de onde vinham os gritos. Enquanto os carros passavam, uma mulher do outro lado da rua acenava freneticamente.
Ele ajeitou os óculos. Ela atravessou a rua e se aproximou. “Você sabe quantos anos eu espero para te rever?”. O professor sorriu como nunca havia feito ao longo da maior parte da vida.
* João Gabriel Pinheiro Chagas Freitas é jornalista e diretor do Jornal da Cidade. E-mail: joaogabrielpcf@gmail.com