Hitchcock/Truffaut e a arte psicótica de contar histórias
É difícil lembrar da primeira vez em que ouvi falar de Alfred Hitchcock. Seu nome está presente no imaginário de muitas pessoas, quase como uma lenda.
Alguns lembram de sua postura corcunda com a barriga pra frente, como se procurasse manter o equilíbrio dentro de seu próprio eixo. Outros de sua expressão calma e sombria ajustando o icônico terno.
Hitchcock revolucionou a forma de contar histórias nas telonas. Dirigiu filmes memoráveis que ditaram os rumos da história do cinema dentre eles “Psicose”, “Janela Indiscreta, “Um Corpo que Cai” e “Os Pássaros” . Obras que tornaram-se verdadeiros clássicos, capazes de atrair o público décadas após sua estreia. Mas esse mestre do cinema não foi sempre re-conhecido. Chegou a ser considerado apenas como um diretor comercial.
Tal visão, o livro “Hitchcock Truffaut: Entrevistas” tenta combater. Livro que, devido ao tamanho de suas páginas, pode ser chamado de “tijolo”, mas esconde uma leitura fácil e rápida. Com a presença de grandes e variadas imagens cujo objetivo é direcionar o lei-tor para os trabalhos do diretor nas te-las.
François Truffaut, diretor de “Jules e Jim – Uma Mulher para Dois”, “A Noite Americana”, “Os Incompreendidos” e “Fahrenheit 451”, foi quem propôs o desafio de entrevistar o Mestre do Suspense durante quase três dias.
Não demorou muito para a relação pergunta/resposta tornar-se uma conversa sincera entre os dois. Com papos de alto nível sobre os mais derivados assuntos, Hitchcock/Truffaut não é uma biografia, mas acaba revelando a história de um homem apaixonado pela sua arte, que passou por inúmeros problemas para, no fim, se apropriar do cinema, intensificando e moldando este meio.
O diretor descreve, com todo seu entusiasmo, as descobertas técnicas que surgiram após escrever e dirigir, descobertas estas que seriam oficializadas e reescritas de forma fria em livros didáticos sobre cinema. Trata-se de um livro essencial para todo adorador de cinema e das artes. Redigido de forma despretensiosa que se vê livre de termos difíceis e simplesmente debate sobre a essência de contar uma história.
Leitura por vezes ignorada, mas que formou muitos dos grandes nomes da direção atual, vide Martin Scorsese e David Fincher. Ambos participaram da adaptação cinematográfica da obra. Alfred Hitchcock, nas palavras de Truffaut, é o verdadeiro escritor deste livro.
Sua primeira versão foi lançada em 1967, logo mais versões vieram com acréscimos sobre a vida do Mestre do Suspense, hoje encontra-se nas livrarias com o título “Hitchcock/Truffaut: Entrevistas -Edição Definitiva”, incluindo um final tris-te, sobre o declínio do diretor que não conseguiu concretizar seu último filme.
O livro finaliza ressaltando sua personalidade observadora, perspicaz, emotiva e sincera. Dentre as ponderações de François Truffaut na conclusão, podemos citar: “Hitchcock não tinha nada do artista maldito ou incompreendido, pois foi um cineasta público, e até mesmo popular.
Alguém pensará que manipulo o paradoxo se incluir entre os méritos de Hitchcock o de ter sido um artista comercial? (…) Hitchcock retirou-se do mundo e o olhou com severidade inaudita. Se digo que praticou o cinema como religião não é exagero”.
* Igor Avelar é cinéfilo, pesquisador e redator da Revista Literária Página 9 ¾. A resenha acima está publicada também em www.revistapagina934.art.br