E assim, os motoristas do Uber entraram em greve

O advogado e jornalista Lucas Rafael Chianello comenta sobre atuação do Uber no Brasil e em outros países.

Tradicionalmente habituados ao táxi, praticamente todos nós ficamos extasiados quando o Uber se apresentou como novidade. Ao invés de nos dirigirmos a um ponto ou telefonarmos, passou bastar baixar um aplicativo no telefone celular, informar localização e trecho de corrida e pagar por um preço bem mais barato que o táxi tradicional.

Entretanto, “não existe almoço grátis.” O Uber opera em cerca de 170 países, 785 regiões metropolitanas e possui vultuosos investimentos de grandes conglomerados econômicos como o Google, a Toyota, a Microsoft e o banco Goldman Sachs.

E como não existe almoço grátis, precisamos fazer contas, afinal, preço é igual a custo mais lucro, ou seja: tanto um taxista como um Uber precisam medir o quanto possuem de despesas (custo) a cada quilômetro ou corrida e o quanto ganhariam a cada corrida ou quilômetro (lucro).

A soma disso é o preço que pagamos numa corrida. Vendido como uma fórmula fácil de ganhar dinheiro e alternativa ao desemprego para qualquer motorista que tenha um carro, em Poços de Caldas, por exemplo, o preço do Uber é o equivalente ao de uma corrida de um moto táxi.

Porém, o consumo de combustível de um carro é muito maior do que o de uma moto, além do proprietário do veículo ter de custear a manutenção deste e parte de cada corrida ser repassada para o aplicativo.

Em função de vivermos uma crise sem precedentes na história do nosso país devido à reforma da previdência e aos cortes no custeio das universidades públicas, talvez tenham passado despercebido aos olhos da população que na última quarta-feira, dia 8, houve uma greve mundial dos motoristas do Uber.

A razão da greve se deve ao fato do Uber ter se transformado numa empresa de capital aberto e consequentemente promovido sua oferta pública inicial (IPO, em inglês) de ações na bolsa de Nova Iorque ao preço de 45 dólares cada, enquanto seus motoristas não conseguem, em nível mundial, prover o próprio sustento. O senador democrata Bernie Sanders declarou, via Twitter, seu apoio a greve dos motoristas do Uber.

Segundo ele, enquanto o Uber lucra milhões de dólares, seus motoristas precisam trabalhar cerca de 70 a 80 horas por semana (matematicamente, 10 a 12 horas diárias, sem dia de descanso) para se sustentarem.

Na Austrália, um estudo comprovou que taxistas ganham mais pela sua atividade do que os motoristas de Uber, enquanto no Brasil, mais especificamente em Belo Horizonte, o Uber já foi condenado em ações trabalhistas a assinar a carteira de trabalho de seus motoristas (o que chamamos de reconhecimento de vínculo empregatício) e a pagar os demais direitos, como por exemplo a previdência e o FGTS.

Em O Jovem Karl Marx, o cineasta haitiano Raoul Peck demonstrou como Marx e Engels chegaram à conclusão de que o motor da história é a luta de classes e que o lucro, na sociedade capitalista, somente é possível mediante a exploração da mão de obra da classe trabalhadora.

Dois séculos depois das publicações das obras de Marx e Engels, a greve mundial de motoristas do Uber é mais uma confirmação dessa tese. O Uber não é uma maneira autônoma de se trabalhar por conta própria ou alternativa de transporte, mas sim mais uma maneira predatória do grande capital se enriquecer às custas do trabalho precário.

* Lucas Rafael Chianello é advogado e jornalista. E-mail: blogchianellico@gmail.com