Músicas Para Fone de Ouvido 10/03/24

Na coluna Músicas Para Fone de Ouvido, o jornalista João Gabriel Pinheiro Chagas indica músicas para se apreciar com fones de ouvido, visando ter uma experiência musical transformadora e imersiva.

Na coluna de hoje vamos explorar a crítica social contundente que alguns grandes sucessos da música nacional nos apresentam.

São verdadeiros hinos atemporais que destacam a vida na periferia e a luta contra a desigualdade social, o racismo e a opressão do Estado. Essa playlist temática foi sugerida por uma leitora.

•Monstro Invisível – Sabotage e MC Hariel
Lançada em 2020, a música “Monstro Invisível”, um feat de Sabotage e MC Hariel, é um poderoso hino contra o racismo estrutural presente na sociedade brasileira.

A letra, carregada de críticas sociais, denuncia a violência policial, a criminalização da pobreza e a marginalização da população negra.

O feat une os versos escritos por MC Hariel com trechos da música “Na Zona Sul”, do álbum “Rap é Compromisso”, de 2001, do falecido rapper Sabotage (1973-2003).

A música combina elementos clássicos do rap e do funk, criando uma sonoridade única que contribui para dar força na mensagem transmitida.

“Quero a opção de viver minha vida em paz” é um dos versos mais simbólicos. Enfim, um belo tributo de MC Hariel a Sabotage, um dos maiores nomes do gênero no país.

•Haiti – Caetano Veloso e Gilberto Gil
Há anos, o Haiti sofre com a desiguldade, a violência e a fome. Em 1989, Caetano Veloso e Gilberto Gil compuseram “Haiti”, uma canção que retrata os problemas do país que, à época, vivia sob uma ditadura militar.

A letra, carregada de simbolismo e ironia, faz um paralelo entre a situação do Haiti e a realidade brasileira, convidando o ouvinte a questionar as desigualdades existentes no mundo.

A música combina elementos do rap, da música popular brasileira e da música africana. A batida do rap que permeia a maior parte da canção dá ainda mais força à contudente crítica social da letra.

A música foi gravada no álbum “Tropicália 2” (1989).

•Rios, Pontes & Overdrives – Chico Science & Nação Zumbi
Lançado em 1994, muitos críticos apontam que “Da Lama ao Caos”, de Chico Science & Nação Zumbi, é um dos melhores álbuns brasileiros de todos os tempos.

O fato é que o álbum consolidou o manguebeat, movimento de contracultura brasileiro surgido no Recife, a partir do início da década de 1990.

“Rios, Pontes & Overdrives”, de Chico e Fred 04, combina elementos rítmicos que caracterizam o manguebeat, como o maracatu e a música afro-brasileira, com elementos da música internacional, como o rock, o hip hop, o funk e a música eletrônica, criando uma sonoridade única.

“Rios, Pontes & Overdrives” é uma obra fundamental do gênero e ajuda na compreensão da realidade social e cultural do Brasil fora do eixo Rio-São Paulo, pois traça um panorama geográfico da capital pernambucana, dos bairros às suas pontes, destacando toda a força da cultura do mangue. “Porque no rio tem pato comendo lama?”, pergunta a música logo no ínicio.

 •Kátia Flávia, a Godiva do Irajá – Fausto Fawcett e os Robôs Efêmeros
“Kátia Flávia, a Godiva do Irajá” (1987) é uma genial composição de Fausto Fawcett e Laufer lançada como parte integrante do álbum “Fausto Fawcett e os Robôs Efêmeros” (1987).

Ainda traz elementos do synthpop típico dos anos 1980, como na icônica introdução. A melodia traz uma linha de guitarra e baixo envolvente e totalmente dançante.

“Kátia Flávia” é um dos precursores do funk carioca e um hino do submundo noturno da cidade, em contraponto com o Rio de Janeiro cantado pela bossa nova.

A letra traz as desventuras da “loiraça belzebu” Kátia Flávia pela noite carioca, retrando o mundo das boates e inferninhos de Copacabana.

Uma das partes mais emblemáticas são as citações das delegacias cariocas, desafiadas quando a personagem diz “Alô, polícia! Eu tô usando um Exocet, calcinha!”.

Exocet é um míssel francês comumente utilizado pela Inglaterra na Guerra das Malvinas. Uma bomba, como a própria Kátia Flávia.

Fernanda Abreu regravou a música em 1999, numa versão que pode ser considerada ainda melhor do que esta.

•Tribunal de Rua – O Rappa
“Tribunal de Rua”, do O Rappa, transcende o tempo como um retrato da realidade nua e crua das periferias.

Lançada em 1999, no álbum “Lado A, Lado B”, a canção mantém sua relevância, retratando a opressão social, a violência policial e a busca por justiça em meio à desigualdade.

A fusão de reggae e do rap cria uma sonoridade única e contagiante, transmitindo a mensagem da letra com força e ritmo.

Guitarra e bateria constroem uma base sólida e pulsante, enquanto os metais adicionam energia e melodia. A voz potente e visceral de Marcelo Falcão dá vida à letra, transmitindo a raiva, a frustração e a esperança do povo.

* João Gabriel Pinheiro Chagas é diretor do Jornal da Cidade. E-mail: joaogabrielpcf@gmail.com