Sobre a grandeza da alma
A atriz e escritora Beatriz Aquino escreve crônica sobre uma mulher que é a cara do interior de Minas Gerais.
Tereza é mulher grande de alma e pequena de corpo. Dessas nascidas entre o interior de Minas e o norte da Bahia. Rodopia as saias entre os tambores tão bem quanto desfia o rosário na missa. Sabe pisar no chão, cozer roupa de boiadeiro e bordar toalha fina para senhoras da cidade.
Suas rendas enfeitam a mesas oitocentistas e os janelões das casas na roça. Dizem que foi namoradeira, mas soube sossegar na hora certa. Recusou os ricos fazendeiros e os janotas da capital. Escolheu um lavrador. Moço simples de alma e bonito de tez e de coração. Tereza nasceu menina como todas as outras, mas pensava mesmo era no sossego de adulta.
Preferiu acordar com o canto do marido bom indo pra lida do que com as exigências de um homem de posses que indubitavelmente, lhe cobraria em juros exorbitantes, o conforto oferecido aos pés do altar. Tereza era cheia de paz e inteligência.
Mulher a tecer em silêncio de bastidores o tapete harmônico e colorido da sua vida. De quem havia herdado essas espertezas ninguém sabe, pois vinha de família simples que nem luz de lamparina, sabe? Dizem que uma avó espanhola ou austríaca havia passado pela região e se apaixonara por um dos guapos e por isso a herança altiva. Mas não se sabe ao certo. O fato é que Tereza era sábia. Sabida das coisas mesmo.
Acordava cedo, mas não sem antes se embelezar. Punha a mesa do café com maestria de fada e beijava em bom dia o seu homem bem no canto do pescoço o tempo o suficiente para lhe deixar arrepiado para sair pro mundo querendo logo voltar pra casa. E enquanto ele ganhava os prados em busca do alimento exertando lavouras no seio da terra árida, Tereza enfeitava a cozinha de quitutes, a sala de rendas e a alma de virtudes.
Era sábia Tereza, como eu disse. Os filhos lhe obedeciam em contrição de devoto, as amigas lhe confidenciavam terrores e afetos e o padre lhe fazia reverência quando ela passava. Era santa Tereza ou quase, mas não sabia disso. Ou se sabia não fazia conta. Tinha outras ocupações. Tereza foi assim pela vida. Ungiu a fronte de enfermos e insanos, adocicou a amargura dos aflitos e insuflou discretas revoluções contra veladas tiranias.
É que Tereza odiava injustas imposições. Nascera para ser livre e para libertar. Serena em ornar arranjos floridos pro mundo.Viveu assim entre o céu e as as panelas. Entre agulhas, linhas, o riso dos filhos e o olhar amoroso do marido. Hoje Tereza quase não tem mais nome. É apenas avó ou bisavó de alguém. E como todas as madonnas em exílio continua exalando em pequenos murmúrios palavras de fé e acalanto para todas as gerações vindouras…
* Beatriz Aquino é atriz e escritora. E-mail: beapoetisa@gmail.com