Baader-Meinhof Blues

O jornalista Daniel Souza Luz escreve crônica sobre um sonho (ou pesadelo?) que teve com o grupo terrorista Baader-Meinhof.

Será que se chamava aparelho, como no Brasil? O fato é que adentrei no apartamento e fui bem recebido. Estava brincando no prédio e um amigo me chamou para participar do grupo.

Eu devia ter uns 14 ou 15 anos, dá para depreender pela aparência do meu amigo, um moleque branquelo, de bochechas rosadas. Ele me disse que me viram no edifício e gostaram da minha atitude – seja ela qual for, não faço ideia. Lá estavam eles: Andreas Baader e Ulrike Meinhof, que deram nome ao grupo terrorista.

Não reconheci Gudrun Ensslin, outra fundadora da tristemente notória trupe, entre os presentes, não havia nenhuma loira. Devia ter umas sete ou seis pessoas na sala do apartamento. Quando a porta se abriu, notei que estava nos anos setenta. Todos os homens usavam golas rolê com pulôveres ou paletós, alguns tinham costeletas; as mulheres vestidos com muitos botões e botas, além de óculos escuros e boinas.

O apartamento parecia ser todo acarpetado, o estilo dos móveis era típico dos anos 1970. Não sei explicar por que os móveis são desta época; não sou bom em descrever detalhes de sofás e mesas, mas me lembro desse estilo, seja em filmes, seja porque tenho memórias deste tipo de mobiliário no fim da década de setenta, quando tinha entre quatro e seis anos. Lembro bem de como era o apartamentozinho onde morava, na Rua Platina.

Havia mais um visitante, além de meu amigo e eu – um Pantera Negra. Fiquei impressionado. Ninguém disse que era, mas só podia ser. Negro, com cabelo Black Power, com barbicha e postura arrogante. Fiquei surpreso de ver os dois grupos juntos. A cena era impressionante e ficou mais ainda. Mal nos cumprimentamos. Ninguém nos deu as mãos, pois estavam vidrados no noticiário policial da TV, como no filme que fala sobre o Baader-Meinhof.

Não deu tempo, pois a polícia logo irrompeu pela porta. Armas na mão e extremamente ágeis, logo dominaram todos. Notei que estava escrito Gendarmerie – a polícia francesa – nos uniformes deles. Eu era francês então. Apesar disto, no sonho todos falavam português, lógico. Um policial mascarado agarrou a mim e meu amigo pelos braços. Ele nos disse para ficarmos tranquilos, pois eles sabiam que estávamos sendo cooptados. Era só para irmos à delegacia amanhã.

Sendo arrastado porta afora, ainda vi os policiais torturando Baader, enfiando sua cabeça num saco plástico. Escada abaixo, enquanto o policial insistia para ficarmos tranquilos, ressaltando que era só irmos prestar depoimento na delegacia no dia seguinte e tudo ficaria bem, senti náuseas, pois não queria ter participado e nem visto nada daquilo.

Era um pesadelo, de verdade – portanto, de mentira. Antes de acordar, ao lado das viaturas da Gerdarmerie na garagem do prédio, notei que também havia uma escrita Polizei. Os agentes alemães tinham vindo pegá-los. A sensação nauseante não passou quando acordei. Talvez tenha sido o mais assustador dos pesadelos, pois foi com fantasmas que me foram contemporâneos, embora tenham morrido alhures muitos anos antes de ouvir falar neles.

* Daniel Souza Luz é jornalista e revisor. E-mail: danielsouzaluz@gmail.com