Vírus 27
O jornalista Daniel Souza Luz escreve crônica sobre a banda Vírus 27, que se tornou de extrema-direita
Lembro-me bem de quais foram os cinco primeiros vinis que tive. O Nevermind the Bollocks do Sex Pistols, o Wackey Wackey do Toy Dolls, o Brasil do Ratos de Porão, o Cadê as Armas? das Mercenárias e o VI do Circle Jerks, nesta ordem.
O primeiro em 1989 e os demais em 1990. Tenho e ouço todos até hoje, não dispensei nenhum, seja na era dos CDs, seja nos tempos do MP3 e do streaming.
Um dia, ao entrar numa loja na rua Marechal Deodoro, achei um disco do Vírus 27, o Brasil Oi!; fiquei tentado, pelo menos para conhecer, pois não havia mais nenhum disco de punk/hardcore na cidade, mas tinha lido uma entrevista deles para o poeta Glauco Mattoso na Chiclete com Banana, revista de quadrinhos do cartunista Angeli, que também publicava algumas reportagens, na qual eles se declaravam nacionalistas de direita.
Sabia que o título não era ironia. Ainda assim, dei mais uma olhada. Na contracapa, um deles fazia a saudação nazista. Não dava mesmo. Logo desisti do disco e tenho muito orgulho de saber exatamente o que estava fazendo com apenas 15 anos.
O que aconteceu com essa banda é uma tristeza; em 1996 um amigo que fazia arquitetura na Unesp, o Daniel (perdi o contato e vou ficar devendo o sobrenome), irmão mais novo de um dos primeiros guitarristas deles, me disse que o seu irmão não se conformava com o rumo que eles tomaram ao se tornar skinheads neofascistas – não eram meramente nacionalistas, eram de extrema-direita mesmo.
Era o oposto do início do Vírus 27, nome inclusive tirado do número de catálogo de um disco do Dead Kennedys, grupo com ideologia antifascista. Um amigo, André Pereira Marrelli, escreveu um fanzine há dois anos no qual menciona que a banda, a princípio, em meados dos anos oitenta, até mesmo condenava em letras a violência policial contra menores de rua e o militarismo.
Meu sexto disco acabou sendo um de psychobilly, do S.A.R., sigla para Soviet American Republic. Sabia da banda também por outra revista de HQs, a saudosa Animal, para a qual o vocalista Niki Nixon também fazia artigos e reportagens.
Aí sim era ironia, a qual apreciei muito, e valia a pena, pois era tudo uma grande brincadeira; a capa eram zumbis tomando Washington D.C. com as bandeiras dos Estados Unidos e da União Soviêtica, que ainda existia, costuradas uma à outra.
Achei esse vinil na mesma loja, que logo depois, curiosamente, deixou os discos de lado e passou a vender artigos religiosos para umbanda e candomblé.
* Daniel Souza Luz é jornalista e revisor. E-mail: danielsouzaluz@gmail.com