Prazeres desconhecidos

O jornalista Daniel Souza Luz escreve crônica onde revive a descoberta de ícones da música

Foi num vídeo do Grito da Rua. Era um programa sobre skate, dos anos oitenta. Às vezes amigos iam para São Paulo e o gravavam os episódios exibidos na TV Gazeta.

Mas também havia um home video nas locadoras. Fiquei tão fascinado com as reportagens e trilha sonora que o loquei novamente – numa locadora que resiste até hoje, na avenida João Pinheiro, mas transformada em uma loja de conveniências – e com um gravador registrei uma fitinha com o som ambiente vindo da caixa da TV.

Isto foi em 1988 ou mais provavelmente em 1989 – muito mais provavelmente em 1989. Foi meu primeiro contato com várias bandas que amo, como Pixies, Sex Pistols, Sonics, Meteors e T.S.O.L., além de ser a introdução ao rap brasileiro, pois também havia MC Jack e Código 13 participando de uma das reportagens. O Sex Pistols já era uma das minhas bandas favoritas por afinidade, pois só conhecia de ler a respeito, não de ouvir.

O legal é que a música deles, que servia de trilha para uma matéria sobre uma sessão de skate numa piscina de uma casa abandonada – mas sem as paredes curvas das piscinas gringas -, era C’Mon Everybody, versão divertida de uma canção, também ótima, do Eddie Cochran, ídolo da primeira leva do rock, nos anos cinquenta.

Essa cover era cantada pelo guitarrista Steve Jones e quando finalmente ouvi o Never Mind the Bollocks, pouco depois, o impacto fulminante dele estava integralmente preservado, porque a sonoridade era outra, muito mais agressiva, tendo Johnny Rotten à frente dos vocais.

A primeira música do home video, após a abertura com Ceremony, era Disorder, do Joy Division. Minha música predileta do New Order era Ceremony, que se destacava na coletânea Substance; ou seja, eu já era fã do Joy Division um ano ou dois antes, sem saber, pois a primeira banda é formada pelos sobreviventes da segunda, após o suicídio do vocalista Ian Curtis, em 1980.

Ceremony é uma composição remanescente do Joy Division, que chegou a tocá-la duas vezes em shows, registrada em estúdio pela nova banda. A cena com Disorder de fundo era impactante: uma reportagem sobre o skate de rua no centro de Sampa. Um dos skatistas, Neguinho, subia em transições de esculturas modernas, que inclusive tinham partes móveis. Ao fundo, alguém passava fazendo um g-turn, uma manobra estilosa.

Ao fim, desciam um calçadão lotado de passantes que pareciam indiferentes àquela algazarra, como se fosse algo usual, enquanto no trecho final da canção Ian Curtis canta solenemente: “I’ve got the spirit, but I´m losing the feeling”. Toda a música e paisagem era ficção científica, convidando para um futuro desafiador, com ruas hostis, no qual é preciso ser safo e estar preparado. E foi isso mesmo que aconteceu e acontece, nestes 29 anos até aqui.

* Daniel Souza Luz é jornalista e revisor. E-mail: danielsouzaluz@gmail.com