15 de outubro, Dia do Professor. Comemorar o quê?
A pedagoga, psicologa e educadora musical Cristiane Fernandes aborda o processo de sucateamento da educação
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Como professora e psicóloga, vejo uma escola totalmente sucateada, com professores adoecidos e impotentes, tendo que se adaptar diariamente.
Observando artigos científicos e vários estudiosos da área, verifica-se que o professor teve que se reinventar na pandemia e após ela, quase sem nenhuma ajuda.
Todas as decisões, seja sobre a manutenção das aulas ou outras, foram impostas de cima para baixo. O professor nunca teve voz, porém assumiu todas as determinações com mérito, independentemente de suas condições psicológicas, tecnológicas ou financeiras.
Não hesitou e rapidamente trocou seu plano de internet, adaptou seu modo de trabalho e aprendeu a usar ferramentas inusitadas, transformando suas casas em uma sala de aula virtual. Foram frequentemente rotulados de preguiçosos, mas mantiveram-se firmes, honrando o juramento que fizeram: educar.
Pensávamos que algo mudaria após a pandemia, que o professor seria lembrado com orgulho e receberia o reconhecimento que um dia tanto acreditou merecer.
Infelizmente, nada disso ocorreu, e aqueles que deveriam garantir direitos básicos e suprir as necessidades vitais deste profissional apenas negligenciaram-no.
Ele permaneceu fragilizado, impotente, tendo que se reinventar novamente, reprimindo suas dúvidas, inseguranças e remoendo o desrespeito.
Toda a população, e principalmente seus superiores, seguiram em frente, acreditando que a pandemia não deixou sequelas nos profissionais da educação.
Passaram-se alguns míseros anos, e ninguém que poderia ter se preocupado com as questões psicológicas desses profissionais o fez. Até ouvimos algumas iniciativas em nível federal e municipal, mas pouco direcionado para o professor.
Os parcos investimentos são direcionados a palestras que tentam “reciclar” os professores, oferecendo mais do mesmo, sem compreender que esses profissionais lidam com seres humanos e precisam saber como acolher e orientar alunos, famílias e, muitas vezes, toda a comunidade.
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Mas como acolher o outro, se esses profissionais não são acolhidos, estão completamente fragilizados e muitos deles até doentes?
Quando diretores, coordenadores, governo e proprietários de escolas perceberão que ao investirem na preparação psicológica desses profissionais poderão tornar a escola um local mais tranquilo?
O professor necessita de um espaço para se expressar, onde possa refletir sobre sua profissão, expor suas inseguranças e, junto com seus colegas de trabalho, formar uma rede que permita uma visão abrangente de quem são seus alunos, como ajudá-los e estar atento às mudanças de hábitos e comportamentos para encaminhá-los rapidamente aos profissionais competentes.
São nos momentos de dor, como o que vivemos hoje em Poços de Caldas, que percebemos o quão frágeis esses profissionais estão.
Não precisei compartilhar muito na internet sobre a tragédia na cidade para meu celular ser inundado com mensagens de professores pedindo auxílio psicológico, pois não sabem como lidar com a situação, muito menos o que dizer aos alunos e familiares.
Atendi professores de diversas escolas, todos se sentindo impotentes diante do ocorrido. Agora pergunto: se as autoridades competentes, sejam de escolas particulares ou públicas, tivessem trabalhado na prevenção, promovendo durante todo o ano rodas de conversa, dando visibilidade para suas dificuldades psicológicas e não apenas focado na didática ou saberes pedagógicas, hoje esses profissionais estariam tão inseguros como estão?
O mundo foi dominado por um modelo cultural individualista, onde o bem-estar coletivo é deixado em segundo plano para garantir o protagonismo da sensação de posse e o gozo do consumo.
A escola precisa ser linha de frente na disputa pela ideologia e resgatar nos seres-humanos aquilo que melhor assegura sua humanidade: o amor, respeito e o senso de coletividade.
Observamos uma escola sofrida, desgastada e, em várias situações, uma máquina engessada, e isso não acontece por incompetência desses profissionais, mas sim porque estão em sofrimento. Quando sofremos, fixamo-nos em apenas um ponto, perdendo a visão ampla do que ocorre ao nosso redor.
Acredito que tenham compreendido o porquê do professor não ter o que comemorar em 15 de outubro. Pensando em Poços de Caldas, espero que esta reflexão sirva para que se conceda esse espaço de fala a esses profissionais tão adoecidos, pois será um pontapé inicial para que, em situações difíceis, eles consigam enfrentar a dor, pois todos nós estamos de luto.
Hoje esses profissionais não possuem uma rede de apoio que os auxilie no acolhimento de seus alunos para que todo o sofrimento, pânico e incertezas que possam ocorrer de forma mais leve mas aproveitemos este momento para refletir e acolher nossos profissionais da educação.
Para que eu saiba acolher, é necessário que eu seja acolhido. Mas para hoje, o que nos resta é uma escola lutando sozinha com as adversidades da vida da forma que conseguem lutar, um pouco sem direção mas sempre lutando e os professores tendo que enfrentar seus próprios desafios, pois seus superiores o que possuem são apenas frases prontas, que não auxiliarão em nada mas os responsabilizarão pelo fracasso.
Sendo assim, profissionais da educação, o que temos para hoje é: “Enfrentem suas inseguranças, medos e ansiedades e façam o possível com as ferramentas que têm. Vocês são guerreiros e, mais uma vez, conseguirão”.
Em 15 de outubro, o que celebrar?
* Cristiane Fernandes é pedagoga, psicologa e educadora musical em Poços de Caldas