1001 Gramas é breve, compacto e muitas vezes sutil
O diretor não abusa de mensagens morais acerca do que pode acontecer aos seus personagens
Avaliação do Editor
O crítico de cinema Marcelo Leme comenta sobre “1001 Gramas”, um filme que, segundo ele, “transforma tudo em paradigmas”.
Em 1001 Gramas acompanhamos o reavivar de uma importante cientista norueguesa, quando essa tem a responsabilidade de representar seu país na França. Ela, Marie, vivida por Ane Dahl Torp, carrega um olhar glacial, além de movimentos minuciosos, ritmo cadenciado e a expressividade e imponência de um iceberg. Ela é a guardiã de um protótipo do quilo norueguês. Tão preciso quanto frágil, o objeto é uma óbvia metáfora de sua vida, da vida que carrega com um peso imensurável.
A cautela modelou sua existência. Filha de um respeitado cientista, seu destino aparenta ser traçado a fim de assumir a posição que o pai ocupa. Ela se perde nos cenários, quase como um objeto inanimado ativo para funções previamente estabelecidas. Fora da empresa onde trabalha, vive de maneira similar, comedida e econômica em todos os aspectos. Sua notória frieza condiz com os ambientes onde reside, bem estilizados pela direção de arte: tanto sua casa quanto seu local de trabalho são escurecidos, com as cores cinza e azul predominando.
O carro elétrico compacto que dirige e a mobília sistematizada da casa onde vive dizem demasiado a seu respeito. Algumas coisas, obviamente, acontecem para roubar o controle e abrir margens com o objetivo de representar seu caos particular. Mas veja, nem o caos lhe rouba qualquer expressão. O filme condensa relações e conduz uma jocosidade bem madura através de gags, como alguns cientistas dormindo durante um seminário; as cenas em que Marie tem dificuldade em cumprimentar com beijos; o instante em que vemos uma fila de guarda-chuvas da mesma cor seguindo como uma marcha um mesmo caminho, ou naquela a qual todos observam por um brevíssimo momento o quilo internacional.
Aquele meio individualista e excêntrico até parece implausível, mas não demora até percebermos similaridades com o cotidiano. Há muito de nós mesmos nesse universo de obstinações por resultados. A direção, a cargo de Bent Hamer, transforma tudo em paradigmas. Tudo é mensurado, ‘exceto o amor’, considera um personagem. Nessa linha friamente humorada, o diretor não abusa de mensagens morais acerca do que pode acontecer aos seus personagens métricos, apenas mostra a representação de vidas e demonstra se divertir com isso. Além do mais, dessa vez mais numa prerrogativa espiritual, a ideia sobre 21 Gramas (2003) é emulada. Há uma cena em especial a qual as óticas artísticas de Alejandro González Iñárritu e Kiduk Kim se mesclam para uma conclusão abstrata.
1001 Gramas é isso, basicamente: breve e compacto, raramente empolgante e muitas vezes sutil. Ele se transforma sem soma e se revela com padrões de imagem, enquanto os personagens crescem. É preciso lembrar da cena da banheira, dessa vez calorosa e iluminada, que vem reconfigurar a compreensão de mundo de Marie. Nela, os sentidos se salientam num terno momento de aprendizado e descoberta, numa contemplação sensorial próxima àquela dita por seu pai em determinada ocasião, quando este se deitava junto a sua mãe sobre o feno. Foram os tempos em que experimentavam o mundo fora de uma sala de pesquisa. Isso é algo que a protagonista parece nunca ter vivenciado.
* Marcelo Leme é psicólogo e crítico de cinema